As emoções compõem as histórias, assim como as histórias impactam as emoções. Quando Machado de Assis conta a história de “Dom Casmurro”, ele nos permite visualizar as emoções do personagem, tomado pelo ressentimento. Quando Goethe apresenta em cartas “O sofrimento do Jovem Werther”, o leitor se angustia com a história de um amor impossível. Ao criar um personagem e descrever as suas emoções, os escritores franqueiam ao leitor a visualização interior do personagem, com seus sentimentos e reações emocionais. À literatura, importa uma adequada representação dos sentimentos, sensações e emoções para que os leitores vivam a história.
Sentimos essas emoções mesmo sabendo que as histórias são inventadas. A explicação para isso é a predisposição humana para a empatia. A gente quer sentir o que outro sente, as suas emoções.
O interessante atualmente é notar o tema emoções se tornando o assunto principal de muitas obras, didáticas e ficcionais. Aí, as emoções se tornam personagens explícitas. Não à toa, na sétima arte, quase todo mundo assistiu algum filme da série Divertida Mente, e Divertida Mente 2 levou estrondosos 22 milhões de telespectadores aos cinemas, três vezes mais público que o segundo filme mais assistido.
Creio que esse movimento de produção e busca por conteúdos emocionais não é acidental. Nesta época, as demandas são mais urgentes, e as mudanças, mais rápidas. Urgência e angústia parecem andar de mãos dadas. Tem ainda a aflição nas comparações trazidas pelas redes sociais. A atenção urgente não desliga nunca. Resultado? Mais turbulência emocional.
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As emoções com uma história acontecem em vários tempos. Antes de escolher um livro, já temos uma expectativa. Até as nossas escolhas de entretenimento são baseadas naquela expectativa. Já durante a experiência de leitura, sentimos as emoções da história através dos personagens, ao mesmo tempo em que as relacionamos com as nossas emoções pessoais: um acontecimento passado realizado ou frustrado, um episódio futuro imaginado.
Assim, ao lermos uma história ficcional, dialogamos com as nossas próprias experiências e expectativas. Após ler o livro, o efeito é ainda mais enigmático. Podemos lembrar desse livro ou de um personagem marcante mesmo anos após a leitura, quando uma passagem do livro ou um personagem espelha/reflete a realidade. Aí, o livro e o personagem já fazem parte de nós, de nossa vida, de nossa história!
Policarpo Quaresma, Brás Cubas, Capitu, Emma Bovary, Hamlet… Na televisão, o Brasil torceu para a viúva Porcina terminar a novela com o Sinhozinho Malta. Tô certo ou tô errado?
Esta tem sido a minha experiência de leitor, que tem me mostrado também não ser incomum surgirem insights durante ou após ler o livro. Às vezes, há até revelações sobre algum aspecto da vida. No conflito do personagem, o reflexo da própria vida. Na emoção de um personagem marcante, como se diante de um espelho, apresentam-se as próprias questões do leitor.
É claro que isso não acontece sempre: as histórias podem ser triviais ou ruins, e os personagens, inexpressivos. Mas se as histórias mexem conosco, elas serão lembradas muito tempo depois, como parte de nossas reflexões e memórias. Fazemos isso automaticamente, dia após dia, sem racionalizar.
Amamos histórias que nos emocionam, amamos histórias para nos emocionarmos. Eu, você, a tia do zap…Amamos também histórias que nos impactam, causando reflexão. Assim revemos a nossa própria vida pelos passos de um personagem, assim criamos memórias para pensar o futuro.
Um livro gera emoções e estimula reflexões, como apresentado acima. Mas na minha experiência de leitor, acontece um plus: noto a leitura me desacelerando desse mundo apressado que vivo, que vivemos, principalmente, às noites e aos finais de semana. É curioso, mas parece que o tempo da leitura é mais lento e menos exigente que o tempo das telas. Com mais ensejo à imaginação e menos oportunidade à atenção, a leitura faz um bem danado, como um calmante natural (o livro não pode ser do Stephen King!). Também por isso, a leitura é uma forma especial de poder.
Rinaldo Segundo é promotor de justiça e atua, principalmente, na área de homicídios e crimes sexuais contra crianças e adolescentes, onde sente diariamente as emoções alheias refletidas em si. Formado em Economia e Direito, com mestrado em Desenvolvimento Sustentável (Harvard Law School), também é autor do recém-lançado livro de contos “Emoções: A Grandeza Humana” (144 páginas, Editora Labrador). Inspirada em sua vivência profissional, a obra expõe dramas sociais da atualidade e as emoções como ponto comum na experiência humana.
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