Nesta última semana, o Brasil foi sacudido por uma notícia que envergonha a nação que figura entre os cinco maiores produtores agrícolas do mundo.
Ao lado de China, Estados Unidos, Índia e Rússia, o Brasil figura como uma potência agronômica que tem investido em tecnologias que garantem o aumento significativo e a diversificação da produção do campo nas últimas décadas, tornando-se um dos cinco maiores produtores de alimentos do planeta.
Mas, para vergonha nacional, o Brasil tem, hoje, nada menos que 33 milhões de pessoas que passam fome. Os dados divulgados pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede PENSSAN), apontam que em pouco mais de um ano, o Brasil “produziu” 14 milhões de novos famintos.
A fome dobrou nas famílias com crianças menores de 10 anos e seis em cada 10 domicílios liderados por mulheres estão em algum grau de insegurança alimentar.
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A pesquisa também revelou que apenas quatro entre 10 famílias têm acesso pleno à alimentação. O número de pessoas que passam fome no Brasil, hoje, é quase o dobro do que era registrado em 2020.
No Nordeste brasileiro, região historicamente atingida por esse drama da fome, aproximadamente 12 milhões de pessoas estão em situação de insegurança alimentar grave.
O mais alarmante, contudo, está no fato de vermos a inação do governo central do País que revela ter verdadeira aversão a qualquer sentimento de solidariedade ou empatia com os atingidos por esse mal.
Prova inconteste para esse descaso está na avassaladora redução no orçamento federal para o financiamento de políticas públicas no âmbito da segurança alimentar.
Nesse quesito, o Brasil regrediu três décadas. Isso mesmo, nosso País que tem, presentemente, 33 milhões de pessoas passando fome, regrediu trinta anos nas políticas de segurança alimentar em termos de orçamento.
Em 2019, primeiro ano do governo Bolsonaro, esse orçamento emagreceu 93% em relação ao ano anterior e foi de R$ 41 milhões. Neste ano de 2022 o orçamento está praticamente zerado, registrando dotação de apenas R$ 89 mil.
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O meu amigo e jornalista Florestan Fernandes Júnior até publicou uma conta feita a partir do cruzamento de dados do PAA e constatou que o atual governo federal reservou para o Programa de Aquisição de Alimentos, neste ano de 2022, o equivalente a R$ 0,002 (dois milésimos de centavo) para cada um dos 33 milhões de brasileiros que passam fome atualmente no País, num quadro em que podemos apontar responsabilidade direta do governo central em muitas das causas para esse cenário da fome.
Para um país que está entre os maiores produtores e exportadores de alimentos do mundo, o Brasil nos envergonha a todos.
E nós temos como resolver esse grave problema a partir de uma forte decisão política de estabelecer programas de Estado e não de governo.
De forma geral, parece que a nossa classe política perdeu o interesse pelo tema, mesmo constatando que a fome expõe-se de forma dramática ao nosso redor como uma das consequências agravadas pela pandemia.
Trago, porém, a convicção de que se não houver uma forte mobilização dos vários agentes sociais e das nossas instituições, o governo central vai permanecer nessa postura de “cara de paisagem”, como se não fosse o responsável direto por uma política econômica (ou a falta dela) que estimule a geração de emprego e renda. Como se não fosse ele, o mais importante agente na condução de programas de segurança alimentar e, até mesmo, se não estivesse diretamente responsável por sinalizar como um povo pode se unir contra um mal tão abominável como a fome.
No campo das instituições, gostaria muito de saber como anda a ação movida pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) junto ao Supremo Tribunal Federal (STF), que busca obrigar o governo federal a implementar políticas públicas de combate à fome junto aos governos estaduais, municipais e do Distrito Federal.
Uma demanda protocolada no segundo semestre do ano passado a pedido da Ação da Cidadania, entidade fundada, em 1993, pelo sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, uma das principais referências do País quando o assunto é segurança alimentar e nutricional.
O documento da OAB, uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), apontou várias irregularidades nas ações do governo em relação à fome no Brasil, “por violar cláusulas constitucionais como as que garantem a dignidade da pessoa humana; a inviolabilidade do direito à vida; os direitos sociais, incluídos o direito à saúde e à alimentação; que assegura a promoção do bem de todos sem qualquer forma de descriminalização e redução das desigualdades sociais e regionais”.
Assim como a ação da OAB, considero imprescindível chamar a atenção para o agravamento da insegurança alimentar em nosso País, que já deteriora as mínimas condições de vida, agravando o quadro de desigualdades sociais no Brasil, embora, desde 2010, a Constituição Federal contemple o direito à alimentação, de forma explícita, como um direito social que deve ser reafirmado expressamente.
Mais um tema que deve balizar as nossas escolhas nas eleições deste ano. Chegou a hora de orientarmos nosso voto em defesa da vida e contra a fome!!!
Roberto Claudio Rodrigues Bezerra foi por duas vezes (2013 a 2020) prefeito de Fortaleza (CE), cidade na qual é o presidente do Diretório Municipal do PDT. É médico sanitarista, com PhD em Saúde Pública pela Universidade do Arizona.
Conteúdo original publicado no site Congresso em Foco.
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