O Monitor da Violência mostrou nesta sexta-feira (20/08) que o Brasil teve uma queda de 8% nos assassinatos no primeiro semestre deste ano na comparação com o mesmo período de 2020. Nos seis primeiros meses deste ano, foram registradas 21.042 mortes violentas, contra 22.838 no primeiro semestre de 2020. Ou seja, 1.796 a menos.
O índice nacional de homicídios tem como base os dados oficiais dos 26 estados e do Distrito Federal e contabiliza o número de mortes causadas por homicídios dolosos (incluindo os feminicídios), latrocínios (roubo seguido de morte) e lesões corporais seguidas de morte.
Os dados são compilados mês a mês. Segundo o levantamento, feito em parceria com o Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV-USP) e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, mostra que no primeiro semestre de 2021, apenas janeiro teve um número maior no comparativo com 2020.
A redução no número de mortes intencionais ocorre após um 2020 violento, mesmo com a pandemia do novo coronavírus. No ano passado, o país teve uma alta nos assassinatos após dois anos consecutivos de queda.
Agora, apenas seis estados contabilizam uma alta: dois do Norte (Roraima e Amazonas) e quatro do Nordeste (Maranhão, Piauí, Paraíba e Bahia).
Os dados do Monitor da Violência mostram que o Ceará figura hoje como o estado com a maior queda no Brasil (-28,8%). Especialistas ouvidos pelo G1 analisam que parte dessa queda pode ser explicada justamente por um 2020 atípico, marcado pelo motim dos policiais militares em fevereiro. Durante os 13 dias da greve policial, foram registrados 312 homicídios, 26 por dia, em média (mais de três vezes o registrado na média).
De acordo com a socióloga Ana Letícia Lins, da Rede de Observatórios da Segurança, é importante que, após um ano “caótico”, haja uma diminuição dos indicadores no Ceará. Mas ela alerta: “A gente tem que olhar para esse número com atenção. Temos tido situações que nos remontam à situação de conflito muito intenso, com a ocorrência de chacinas, por exemplo. E chamo a atenção para o caso de Caucaia, que despontou como o município mais violento do Brasil no Anuário Brasileiro de Segurança Pública”.
Caucaia, na Região Metropolitana de Fortaleza, que teve em 2020 uma taxa de 98,6 assassinatos a cada 100 mil habitantes, a maior do país, teve duas chacinas neste ano e se mantém na cobertura policial da mídia em função das disputas de facções criminosas.
O sociólogo Ricardo Moura, do Laboratório de Estudos da Violência, também foi ouvido pelo G1 e para ele alguns pontos ajudam a entender a mudança de cenário neste ano, como uma série de operações que prenderam chefes das facções, a repressão da comunicação entre chefias nos presídios e nas ruas e uma natural baixa após dois anos de conflito intenso promovido pelas facções.
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Na contramão da maioria dos estados, Roraima e Amazonas aparecem com alta nos índices de violência. Um com 40,4% de aumento e o outro, com 35,6%.
No início do ano, por exemplo, uma série de crimes foi registrada pela polícia em Boa Vista. Em dois dias, quatro homens, sendo três venezuelanos, foram mortos a tiros.
Para a polícia, uma das explicações é a disputa de território pelo tráfico de drogas por grupos de facções rivais. Ouvida pelo G1, Nannibia Cabral, mestre em segurança pública, direitos humanos e cidadania e pesquisadora da Universidade Estadual de Roraima, aponta que a alta está, de fato, atrelada a uma briga por espaço. “Novas facções venezuelanas têm se instalado com o processo migratório. Essa disputa por espaço, que fomenta a rivalidade, associada muitas vezes a dívidas dos traficantes, colabora sobremaneira para um aumento do número de homicídios dolosos.
“O estado tem investido, intensificando a fiscalização na entrada e na saída das rodovias, mas apenas medidas como essa não são suficientes para diminuir a criminalidade. É preciso haver a presença do Estado nas ruas e um maior investimento em concursos públicos para a polícia judiciária, que é quem investiga a atuação dessas organizações criminosas”, avalia.
No Amazonas, a Secretaria da Segurança Pública também credita o aumento da violência ao tráfico. Segundo a pasta, 80% dos homicídios no estado são consequência da disputa pelo mercado de drogas.
Messi Elmer Castro, mestre em segurança pública, cidadania e direitos humanos pela Universidade do Estado do Amazonas, disse ao G1 que o problema está no combate aos crimes violentos, que não é feito da forma adequada.
“A violência urbana é um problema complexo que engloba diversos fatores para que a gente possa enfrentá-la de modo adequado”, diz. “Há, sim, uma relação muito direta com o enfrentamento das drogas ilícitas. Por isso, é importante que haja uma política sobre as drogas, que possa fazer frente ao modo de tratamento que a gente tem hoje. Enfrentando, com racionalidade, com inteligência, o problema.”
Segundo ele, a população mais vulnerável é hoje a mais impactada por essa dinâmica criminal. “As pessoas mais vulneráveis ficam à margem dos grupos organizados, que exploram esse tipo de atividade. A proposta contemporânea a respeito desse tema é que se tenha uma nova proposta de política criminal sobre as drogas ilícitas, seja no âmbito federal ou na redefinição da jurisprudência.
Para Bruno Paes Manso, do NEV-USP, o balanço da variação dos homicídios no Brasil no primeiro semestre de 2021 traz alguns motivos para comemoração e outros de preocupação.
“A queda de 8% é importante, com destaque para o estado do Ceará, que em 2020 tinha liderado o crescimento de mortes intencionais violentas. Neste semestre, foi o que mais reduziu entre as 27 unidades da federação. Houve queda em 21 estados do Brasil, enquanto seis registraram aumentos. Difícil apontar as causas no calor dos fatos, mas a força da pandemia em todo o semestre e o distanciamento social podem ter contribuído para a redução de conflitos nas ruas”, diz.
“Os motivos para o alerta vêm da região Norte. Roraima (40%) e Amazonas (36%) ficaram nos primeiros lugares entre os que mais cresceram, justamente estados onde os conflitos em áreas indígenas foram mais intensos, com suspeita de participação do crime organizado na invasão de terras.
Samira Bueno, diretora-executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, afirma que é preciso destinar esforços para a contenção da violência letal na região, que está associada à atuação de organizações criminosas que migraram do Sudeste e passaram a brigar com facções locais. “Ou seja, o problema é nacional.”
Além disso, ela chama a atenção para o arrefecimento do ritmo de queda nos últimos três meses. “Os homicídios ficaram muito elevados no 1º trimestre de 2020 por conta do motim da PM no Ceará, o que fez explodir os assassinatos no estado e aumentar o número nacional”, diz. Em maio e junho de 2020 e 2021, por exemplo, os números de crimes violentos são muito próximos.
Samira também diz que houve uma tendência de queda nos homicídios nos períodos em que o isolamento foi mais rígido.