

Efeitos na saúde ocorrem por conta de menor estresse econômico e atendimento de necessidades básicas | Foto: reprodução
Nas últimas décadas, os programas de transferência de renda vêm sendo adotados em diversos países com o objetivo de aliviar a pobreza, reduzir desigualdades e garantir que as famílias tenham condições mínimas de acesso à alimentação, educação e saúde. No Brasil, o Bolsa Família é o exemplo mais conhecido.
Embora os efeitos desses programas sejam amplamente documentados, pesquisadores ao redor do mundo têm investigado um ponto que permanece em debate: esse tipo de política social também pode melhorar a saúde mental de crianças e adolescentes?
Estudos realizados ao redor do mundo buscaram apresentar os diversos mecanismos que poderiam explicar de que forma essas iniciativas, como o Programa Bolsa Família, impactariam a saúde mental de crianças e adolescentes. Alguns pontos foram elencados: primeiro, a regularidade no apoio financeiro reduziria a incerteza econômica familiar. Depois, a renda consistente permitiria atender necessidades básicas, reduzindo os estigmas associados à pobreza. Em seguida, há evidências de ações realizadas em outros países que indicam fortalecimento do capital social, como confiança e envolvimento comunitário, atenuando fatores de estresse ligados à violência e a marginalização. Há também indicativos de melhoria no funcionamento familiar, estimulando o envolvimento dos pais nas atividades das crianças e, assim, impactando positivamente o bem-estar infantil.
>>>SIGA O YOUTUBE DO PORTAL TERRA DA LUZ <<<
Entretanto, pesquisas realizadas na América Latina (incluindo o Brasil) e na África trouxeram inconsistências em relação aos efeitos desses programas na saúde mental de adultos, demonstrando benefícios, como a redução das taxas de suicídio no Brasil, mas quando se trata dos jovens a percepção é outra: algumas avaliações apontam diminuição de sintomas depressivos, enquanto outras não identificam impacto significativo.
Por isso, o presente estudo tratou de responder a questões ainda pouco exploradas: será que a ausência de impacto encontrada em pesquisas anteriores se deve a análises pouco específicas? Seria possível que determinados subgrupos de beneficiários estivessem de fato obtendo vantagens, mas as análises não conseguiram capturar?
Partiu-se da hipótese de que jovens em contextos de maior vulnerabilidade poderiam apresentar ganhos mais expressivos. Ao adotar uma abordagem, foi possível analisar diferenças entre subgrupos, trazendo novas evidências de que o acesso a recursos financeiros, ao promover maior estabilidade, poderia atuar como fator de proteção para crianças e jovens expostos a múltiplas adversidades (diferentes tipos de violência e eventos estressantes).
A pesquisa buscou retratar se o efeito da participação no Programa Bolsa Família difere conforme o nível de dificuldades a que esses grupos são expostos, como violência na comunidade, na escola ou em casa ou outros fatores.
O estudo avaliou uma amostra representativa de 1.189 crianças e adolescentes, em dois momentos distintos e com intervalo médio de um ano. Para comparar participantes e não participantes do Programa Bolsa Família, utilizou-se o pareamento por escore de propensão, técnica estatística que torna os grupos comparáveis em aspectos sociodemográficos essenciais.
A pesquisa contou com um protocolo rigoroso, cuidadosamente adaptado e validado para brasileiros, o que incluiu o Child Behaviour Checklist (CBCL) e levou em consideração problemas externalizantes (de conduta), internalizantes (como depressão e ansiedade) e totais. Outros fatores estudados foram a avaliação de adversidade e a exposição ao apoio financeiro do Programa Bolsa Família por pelo menos 12 meses.
Entre a avaliação inicial (linha de base) e o acompanhamento, as crianças e adolescentes cujas famílias participavam do Programa Bolsa Família e que estavam expostos a níveis mais elevados de adversidades apresentaram reduções significativas nos problemas de saúde mental do tipo externalizantes e internalizantes, em comparação com os não participantes.
Esses achados revelam que o programa teve um efeito protetor particularmente relevante para crianças e jovens mais vulneráveis, mitigando os impactos negativos da exposição a múltiplas adversidades no desenvolvimento emocional e comportamental.
Os resultados deste estudo indicam que programas de transferência de renda podem exercer efeitos positivos significativos na saúde mental de crianças e adolescentes, mas esses benefícios se concentram especialmente entre os mais vulneráveis.
A associação encontrada entre participação no programa e redução de problemas de saúde mental sugere que tais intervenções podem contribuir para interromper o ciclo entre pobreza e sofrimento emocional, oferecendo proteção justamente onde o risco é maior.
Esse achado é pioneiro, pois estudos anteriores, tanto no Brasil quanto em outros países, possivelmente subestimaram o efeito por analisarem a população como um todo, sem identificar subgrupos mais vulneráveis. Compreender esses mecanismos é fundamental para orientar políticas públicas, mostrando que ações de combate à pobreza podem ter impactos diretos e positivos na saúde mental infantil e adolescente.
Cristiane Silvestre Paula, Carolina Ziebold, Isabel A. Bordin, Alicia Matijasevich, Sara Evans-Lacko
O conteúdo dos artigos assinados não representa necessariamente a opinião do Mackenzie.
O texto acima expressa a visão de quem o assina, não necessariamente do Portal Terra da Luz. Se você quer publicar algo sobre o mesmo tema, mas com um diferente ponto de vista, ou um outro artigo com suas ideias, envie sua sugestão de texto para portalterradaluz.
Leia também | Estudantes do Colégio Santa Marcelina criam jogo de tabuleiro para ensinar educação financeira
Tags: programas sociais, saúde mental, crianças e adolescentes, Bolsa Família, pobreza e desigualdade, políticas públicas, transferência de renda, vulnerabilidade social, bem-estar infantil, psicologia social, inclusão social, proteção emocional, Mackenzie, estudos científicos, saúde pública