O Subprocurador-Geral do Ministério Público do Tribunal de Contas da União (MPTCU), Lucas Rocha Furtado, requereu à Ministra-Presidente do Tribunal de Contas da União, Ana Arraes, a abertura de um procedimento para apurar a “ocorrência de prejuízos ao Brasil sobretudo às políticas públicas de preservação ambiental, havidos na perda de contribuições financeiras para o Fundo Amazônia, bem assim na paralisação da aplicação dos respectivos recursos”.
Segundo o Subprocurador-Geral, Lucas Rocha Furtado, os prejuízos são o resultado da “conduta intransigente, temerária, ideologizada e contrária aos interesses nacionais do ex-ministro do meio ambiente, Ricardo Salles, e do Exmo. Sr. Presidente da República Jair Bolsonaro.
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Na peça enviada à presidência do TCU, também é pedida a aplicação de multa prevista no art. 57 da Lei 8.443/1992. Caso os responsáveis sejam julgados em débito, o Tribunal pode aplicar multa de até cem por cento do valor atualizado do dano causado ao Erário.
Um segundo pedido pretende que seja avaliado se a conduta do ex-ministro do meio ambiente, Ricardo Salles, e do presidente Bolsonaro, pode ter contribuído para o desaparecimento e posteriores confirmações de mortes do jornalista britânico Dom Phillips e do indigenista Bruno Araújo Pereira.
Por fim, caso os indícios de irregularidades sejam confirmados, o Subprocurador-Geral do MPTCU, solicita que seja feita a abertura de procedimento de “responsabilização dos envolvidos, sem prejuízo de remessa de cópia dos autos ao Ministério Público Federal para apuração dos fatos na esfera penal”.
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Na justificativa enviada à Ministra-Presidente do Tribunal de Contas da União, Ana Arraes, o Subprocurador-Geral faz o relato de que o Fundo Amazônia, até a administração do governo Bolsonaro, vinha sendo de importância capital para diversas iniciativas no sentido do desenvolvimento sustentável e da preservação ambiental da Amazônia, como por exemplo o Cadastro Ambiental Rural (CAR), que permite maior monitoramento, planejamento ambiental e econômico, e melhorias no sistema do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
Disse o Subprocurador Geral que o sólido comprometimento de nações estrangeiras, em especial Alemanha e Noruega, com a preservação ambiental resultou no afluxo de significativas somas de recursos financeiros para o Fundo Amazônia mediante a assunção de compromissos pelo comitê gestor com destinação que garantisse benefícios para as políticas de preservação ambiental.
Desde a posse do governo Bolsonaro, porém, a movimentação do fundo foi paralisada. “Pude, lamentavelmente, ver de camarote o fim do Fundo Amazônia. Recebi em meu gabinete representantes das Embaixadas da Alemanha e Noruega. Além desses, o ex-ministro Ricardo Salles. O fundo girava em torno US$3 bilhões. Inteirado das divergências que ameaçavam o aproveitamento desses recursos em benefício do Brasil, tentei encontrar solução de consenso, mas não foi possível. O governo Bolsonaro insistiu em manipular a finalidade do fundo, decidindo livremente e de maneira unilateral a destinação dos recursos. Não conseguiu manipular e, na prática, acabou o fundo!”, relatou Lucas Rocha Furtado, que complementou: “Buscando reconstruir documentalmente esses acontecimentos dos quais fui testemunha, consultei os registros próprios do meu gabinete e verifiquei que as anotações correspondentes se deram, inadvertidamente, de maneira incompleta. A audiência com os representantes da Alemanha e da Noruega, dos quais guardaram-se apenas o primeiro nome (Sr. Simon e Sra. Lívia) foi no dia 17/9/2019. A audiência do Ministro Ricardo Salles se dera alguns meses antes, em 23/5/2019”.
Segundo o Subprocurador, as limitações inibiram, até hoje, o oferecimento de representação sobre o assunto ao TCU. “No entanto, acontecimentos recentes de conhecimento público, que reforçam a percepção sobre o abandono da Amazônia – região que se torna cada vez mais entregue a interesses e atividades ilegais, com risco para a segurança e a vida das pessoas, como as do indigenista e do jornalista britânicos desaparecidos –, me levaram a concluir que não devo aguardar mais. Mesmo porque já se tornaram públicos os aspectos mais importantes da irregularidade denunciada mediante esta representação. A matéria jornalística abaixo reproduzida, publicada em https://cursoscnf.org.br/blog/post/fundo-amazonia-esta-parado-por-culpa-do-brasil-diz-idealizador, traduz com exatidão o problema:
Fundo Amazônia está parado por culpa do Brasil, diz idealizador
O governo brasileiro descumpriu as regras do Fundo Amazônia e é o responsável pelo travamento de R$ 2,9 bilhões em recursos que poderiam estar sendo usados para ajudar a combater o desmatamento na floresta. A conclusão é de um dos principais idealizadores do fundo, o engenheiro florestal Tasso Azevedo.
“O Brasil foi que descumpriu as regras. A bola não está com a Noruega e com a Alemanha. Está com a gente”, comentou Azevedo na Live do Valor realizada ontem, destacando que o governo Bolsonaro extinguiu o comitê gestor do fundo. “A lição que está sendo dada por esse governo ao fazer isso é a de que não cumpre contrato”, acrescentou.
A declaração faz um contraponto ao que o ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, vem dizendo sobre o tema ao afirmar que quem paralisou o Fundo Amazônia foram Noruega e Alemanha por não aceitarem a proposta do governo de mudar o mecanismo de uso dos recursos. Leite argumenta que o governo tentou redesenhar a aplicação do dinheiro porque, no seu entendimento, o financiamento climático “não chega no chão”, querendo dizer que não havia efetividade nos projetos.
Azevedo, que ajudou a criar as regras do Fundo Amazônia, discorda do ministro. “Não tem o menor cabimento dizer que o recurso não chegou ao chão. Basicamente ele não se deu ao trabalho de entender os projetos. Crítica vazia sem nenhum conteúdo”, disse Azevedo, que atualmente é coordenador do Sistema de Estimativas de Gases de Efeito Estufa do Brasil (SEEG) e do projeto de Mapeamento Anual da Cobertura do Solo no Brasil (MapBiomas).
Ele argumenta que iniciativas como o Cadastro Ambiental Rural (CAR), por exemplo, permite maior monitoramento, planejamento ambiental e econômico. Segundo Azevedo, o CAR beneficia milhares de famílias e nasceu a partir dos recursos do Fundo Amazônia. Também citou melhorias no sistema do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). “Todo mundo que usa os recursos do Fundo Amazônia tem que apresentar um projeto e não é o governo que decide. O governo federal, junto com os governos estaduais e a sociedade civil, composto pelo setor empresarial, as ONGs, movimentos sociais, juntos, definem as regras e quem opera o recurso é o BNDES”, explicou.
Para Azevedo, o governo brasileiro tentou aprisionar os recursos. “Esse não é o Fundo Amazônia [que criamos]. Ele não foi desenhado para ser assim. Foi desenhado justamente para não ser aprisionado”, adicionou, ressaltando que os maiores prejudicados com a paralisação são as instituições públicas, principalmente os Estados, que estão sem acesso aos recursos para executar os projetos. Criado em 2008, o Fundo Amazônia era o maior programa de pagamentos por serviços ambientais do país e financiava projetos de combate ao desmatamento. Funcionou por dez anos até ser paralisado, em 2019, depois que o governo forçou mudanças sem conversar com os líderes de Noruega e Alemanha, os financiadores.
Durante a Live, Azevedo também contestou a declaração do ministro sobre uma suposta tendência de queda do desmatamento. Na semana passada, Leite comentou que houve redução de 15% de agosto até hoje. O engenheiro florestal afirmou que não entendeu bem a referência que o ministro utilizou para chegar a redução de 15% e orienta a observar dados consolidados de período maiores. “Podemos dizer com clareza que o desmatamento não está em queda. Na melhor das hipóteses está no mesmo ritmo”, disse.
Azevedo ainda criticou o afrouxamento na fiscalização e nas penalizações, já que o Ibama reduziu em 80% o volume de multas, fato celebrado pelo presidente Jair Bolsonaro e visto com naturalidade pelo ministro do Meio Ambiente. “98% dos desmatamentos em 2020 tinham algum indício de ilegalidade. A atividade ilegal só é parada se você tiver a efetiva fiscalização e penalização para quem comete o ilícito”, avaliou.
Em relação às iniciativas para inserir o Brasil no mercado de crédito de carbono, o coordenador do SEEG comentou que são válidas, mas defendeu que a estratégia precisa ir além. “O principal fator é nos inserir na economia global como o principal player da economia de baixo carbono”. Nesse ponto, Tasso Azevedo critica o projeto de lei em trâmite no Congresso, que não regula o uso da terra, o principal problema de emissão de gases no país, e trata apenas de energia. (do Valor Econômico)
É pelos frutos que se conhece a árvore. E o que se colhe, em matéria de preservação ambiental, do governo Bolsonaro e da gestão do Ministro Ricardo Salles – que já confessou pretender “passar uma boiada” por cima das iniciativas de interesse da conservação dos biomas brasileiros – são atos temerários, antieconômicos e ineficazes.
Os gestores, no entanto, não podem escolher a ineficiência. A Constituição Federal consagrou a eficiência como princípio expresso da Administração Pública, resultando no fato que constitui dever do gestor aproveitar da melhor forma possível os recursos disponíveis, vale dizer, produzir o máximo resultado das políticas públicas. A paralisação do Fundo da Amazônia, contrastando com a evidente necessidade de investimentos em fiscalização e preservação da região, segue escandalosamente em sentido oposto.
À toda evidência as condutas do Presidente Jair Bolsonaro e do Ministro Ricardo Salles, no sentido de desprezar o Fundo da Amazônia, causaram sérios danos aos interesses do país, desafiando a atuação do TCU no sentido de verificar a possibilidade de quantificar prejuízos ao Erário federal ou, no mínimo, de aplicar a ambos as sanções previstas na Lei 8.443/1992 para os responsáveis por atos ilegais, ilegítimos ou antieconômicos.
A considerar o enorme desperdício de esforços na elaboração de projetos que vinham sendo concebidos para a aplicação de recursos do fundo, como exige o seu regulamento, e que se estabeleceram a partir da confiança gerada pela habitualidade e franca disponibilidade de recursos das contribuições estrangeiras, a decisão de paralisá-lo suscitará certamente questionamentos acerca de direitos adquiridos, com ampliação dos danos ora denunciados.
Daí porque, considerados os gigantescos montantes envolvidos, parece ser essencial, não só como meio de prevenir novos danos e de fazer frente a esses questionamentos, mas sobretudo de repelir definitivamente condutas flagrantemente contrárias ao interesse nacional adotadas por altas autoridades de República, a aplicação da sanção prevista no art. 57 da Lei 8.443/1992 em valor não inferior a um bilhão de dólares americanos.
Deve ser sempre lembrado que o constituinte derivado, por intermédio da Emenda Constitucional nº 19, de 1998, incorporou o princípio da eficiência no corpo da Carta Política, elevando-o à categoria de princípio constitucional ao qual deve ser conferida a atenção e o relevo que esse status lhe imprime. A necessária observância pelos agentes públicos ao princípio da eficiência atribui ao controle externo o poder-dever de ir além da estrita análise da conformidade formal dos atos à lei, devendo enfatizar a avaliação do real alcance da finalidade pública, ou seja, efetuar, também, o controle dos resultados alcançados pelo governo.
Não é demais observar que eventual gestão ineficiente, nos termos narrados nesta representação, pode produzir efeitos no campo do julgamento da regularidade das contas do governo, que, na moderna vertente de certificação das contas dos órgãos públicos, confere especial ênfase aos indicadores de gestão e do alcance dos resultados das políticas, programas e funções públicas.
Além da avaliação da ineficiência da gestão, noto a gravidade dos fatos por outro viés. Recentemente o Brasil ficou em choque com o desaparecimento do jornalista britânico Dom Phillips e do indigenista Bruno Araújo Pereira.
Entendo que quem defende a nossa Amazônia não deveria se sujeitar a riscos tamanhos a causar as perdas das próprias vidas. Nota-se que o descaso com as políticas públicas de preservação ambiental tem indiretamente ocasionado a morte de pessoas que se preocupam com o assunto em nosso país.
Ressalte-se, por fim, que este Ministério Público junto ao TCU possui legitimidade para representações junto a essa Corte, os fatos foram apresentados em linguagem clara e objetiva e estão acompanhados, em anexos, de todos os dados informados no bojo desta representação.
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