Sensação de formigamento, dores e perda de sensibilidade e força são alguns dos sintomas do pé diabético, uma das complicações mais comuns da diabetes e que, se não tratada, pode levar à amputação do membro. De acordo com a Sociedade Brasileira de Angiologia e de Cirurgia Vascular, 85% das amputações relacionadas à doença se iniciam com uma lesão nos pés. A Sociedade Brasileira de Diabetes também aponta que 13 milhões de brasileiros convivem com a condição de pés diabéticos, com o desenvolvimento de úlceras e neuropatias, quando os nervos dos pés são afetados.
Como proposta de tratamento para essas alterações, pesquisadores da Universidade Federal do Ceará (UFC) desenvolveram um tecido que pode ser moldado em formato de meias que libera um fármaco com potencial terapêutico para pé diabético. Denominada “tecido contendo liberador de óxido nítrico”, a tecnologia foi elaborada por uma equipe dos departamentos de Química Orgânica e Inorgânica, de Química Analítica e Físico-Química da UFC e recebeu, em abril deste ano, a carta-patente do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI).
O invento tem como base as propriedades biológicas do óxido nítrico (NO), uma substância que possui funções anti-inflamatórias, antimicrobianas e antinociceptivas (isto é, que reduzem a sensação de dor). Por conta disso, é um importante agente terapêutico no tratamento de feridas e de úlceras diabéticas.
Atualmente, já existem no mercado algumas opções de fármacos tendo como princípio ativo o óxido nítrico, em formato de emplastro ou gel tópico, voltados para tratamento de doenças na pele. Todavia, o método de elaboração desses medicamentos diverge do proposto pelos pesquisadores da UFC, que chegaram a uma versão mais barata e eficaz por meio do uso do composto químico nitroprussiato, que atua como liberador do óxido nítrico sobre a pele do paciente.
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Desse modo, os cientistas expõem a um tecido de fibra de carbono o nitroprussiato, que, por sua vez, é um potente liberador de óxido nítrico, podendo atuar por até 12 dias na pele. Pelo uso das meias com esse tecido especial, o paciente entra em contato então com o óxido nítrico, realizando o tratamento do pé diabético.
“O estudo iniciou-se em 2022, quando chegaram ao nosso laboratório amostras comerciais de tecidos feitos de fibras de carbono. Nesse período, eu pensava em aplicações não convencionais de liberadores de óxido nítrico”, informa Pedro Martins da Silva Filho, um dos autores do invento, que trabalhou na pesquisa durante seu doutorado no Programa de Pós-Graduação em Química (PGQUIM).
O pesquisador decidiu, então, utilizar os tecidos para realizar a adsorção do nitroprussiato e analisar a capacidade de as fibras liberarem óxido nítrico. A adsorção é o processo pelo qual se realiza a fixação de moléculas de um fluido (no caso o nitroprussiato) a uma superfície sólida (os tecidos de fibra de carbono).
“O óxido nítrico é liberado a partir da ‘decomposição’ do nitroprussiato, que ocorre lentamente nas fibras, entregando-o sobre a pele do paciente de forma controlada”, explica Pedro Martins, que foi bolsista, durante o doutorado, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e atualmente é professor da rede pública do município de Redenção.
O pesquisador acrescenta que o tecido pode ainda ser moldado em formatos diversos para o tratamento de outras neuropatias periféricas, que são essas dores crônicas causadas pelo dano dos nervos sensitivos do Sistema Nervoso Central e Periférico. Além do pé, a neuropatia diabética pode afetar outras extremidades, como a mão. Dessa forma, o tecido criado também pode ser modelado em forma de luva ou atadura, mantendo as propriedades terapêuticas da referida meia.
Além de ter sua carta-patente concedida, o invento foi aprovado no Edital Centelha, do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), que visa estimular a criação de empreendimentos inovadores. Com o financiamento do programa, o tecido passará por novos testes, focados na meia para o pé diabético. Segundo Pedro Martins, a expectativa é de que o tecido liberador de óxido nítrico possa ser, no futuro, um aliado no tratamento de outras doenças, inclusive o câncer.
“O mercado tem carência de produtos liberadores de óxido nítrico. Porém, para chegar ao público, ainda temos um longo caminho. Precisamos confirmar a ação terapêutica através de testes pré-clínicos e clínicos. Chegamos à conclusão da importância de proteger a tecnologia devido à gama de aplicações do óxido nítrico, tais como: tratamento de neuropatia, de câncer de pele, de feridas crônicas, como vasodilatador e outras possibilidades”, ressalta o pesquisador.
Integraram a equipe de trabalho do estudo os professores: Elisane Longhinotti (orientadora de doutorado de Pedro Martins), Eduardo Henrique Silva de Sousa (coorientador), Luiz Gonzaga de Franca Lopes e o bolsista do programa Empreende UFC, Isaac Lucas Araujo Lopes. Esta é a patente de número 57 da UFC, sendo a 9ª Departamento de Química Orgânica e Inorgânica e 18ª do Centro de Ciências.
Por Cristiane Pimentel da Agência UFC
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