Sem saber como arcar com o custeio diante do novo piso salarial da enfermagem, 36 clínicas de diálise, no Ceará, podem fechar as portas e deixar – contra a vontade – milhares de pacientes órfãos de atendimento. Tudo por que a Lei Federal nº 14.434/2022, sancionada pelo presidente da República Jair Bolsonaro, no último dia 4, elevou o piso dos enfermeiros para R$ 4.750,00 e dos técnicos para R$ 3.325,00.
Se a classe de profissionais agraciada com o aumento celebra a valorização salarial, por outro lado a medida gera impacto financeiro sem precedentes em muitos centros de diálise, que atendem pacientes com insuficiência renal e necessitam do procedimento da hemodiálise. No Ceará, são cerca de cinco mil pacientes que necessitam diariamente deste tipo de tratamento para sobreviver.
A Associação dos Centros de Diálise do Estado (Aclidec) estabelece diálogo com Governos, Secretarias de Saúde, Procuradoria Geral do Estado e Ministério Público do Trabalho para haver entendimento entre os direitos trabalhistas e a saúde pública. Clínicas de outros Estados enfrentam as mesmas dificuldades. 95% dos pacientes, dependentes do Sistema Único de Saúde, não tem como arcar com o tratamento.
“O serviço que as clínicas prestam, no Estado, vem sofrendo ao longo de muitos anos com sub-financiamentos do SUS, diante do repasse para o tratamento, que tem um custo elevadíssimo. O último reajuste na tabela foi de 12%, enquanto os insumos subiram 40%, com a pandemia”, relata o nefrologista Moisés Santana, presidente da Aclidec.
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A defasagem da tabela SUS também vem impactando casos semelhantes, mas de hospitais que tratam pacientes com câncer. Um deles, referência na capital de São Paulo, Hospital A. C. Camargo, privado, mas sem fins lucrativos, pode parar o atendimento de pacientes que passam por tratamento contra o câncer, mas não podem arcar com os custos.
O médico, presidente da Aclidec, ainda enfatiza que é necessário valorizar os profissionais de enfermagem diante da importância da categoria no sistema de saúde, como um todo e ainda mais especificamente no caso do atendimento dos pacientes das clínicas de diálise: “Nós somos a favor do aumento, porque acreditamos que o enfermeiro, o técnico de enfermagem e seus auxiliares são merecedores do aumento e da valorização da categoria. Buscamos, isso sim, abrir um canal de negociação com o Estado e municípios e até com o governo federal. As clínicas não têm equilíbrio financeiro para fazer um aporte como esse, de forma imediata, sem, por exemplo, um co-financiamento. Não há como pagar ao enfermeiro. A diálise é um serviço diferenciado que não pode parar”, reforça.
O assessor jurídico da Aclidec, Edson Santana, apoia a valorização das categorias profissionais, sobretudo a dos enfermeiros, mas vê com preocupação a situação das clínicas de diálise, no Ceará: “Queremos deixar muito claro que nós, da Aclidec, defendemos as categorias profissionais, sobretudo a dos enfermeiros, que tem grande relevância no contexto social. Mas, sendo os centros de diálise vinculados ao SUS em quase sua totalidade, acabam tendo limitação financeira em sua arrecadação, diante do impacto do reajuste do piso dos enfermeiros e da contrapartida da tabela SUS, defasada. É necessário um diálogo com as autoridades do poder executivo do nosso Estado, afinal, trata-se de assunto de saúde pública”, explica o advogado.
Estados como Rio de Janeiro, Santa Catarina, Mato Grosso e Pernambuco, já confirmaram o co-financiamento para as clínicas. A mobilização que une os centros de diálise e a Aclidec, em paralelo às ações de diálogo com todas as esferas governamentais, agora trabalha para sensibilizar a governadora Izolda Cela e, assim, avançar na busca por uma solução que evite que dezenas de clínicas encerrem suas atividades e, consequentemente, que vidas sejam perdidas ao longo desse impasse.
Segundo a Associação de Diálise do Estado, um ofício, com pedido de audiência com a Governadora, aguarda resposta.
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A Federação das Misericórdias e Entidades Filantrópicas do Ceará (FEMICE), entidade que representa as Santas Casas e Hospitais Filantrópicos no Estado, tem acompanhado de perto os impactos imediatos oriundos da Lei nº14.434/2022, de 04 de agosto de 2022, que estabelece o piso nacional dos profissionais de Enfermagem.
Por meio de nota, o Presidente da Federação das Misericórdias e Entidades Filantrópicas do Ceará (FEMICE), Rafael Vieira, informou que o impacto financeiro na folha de pagamento dos hospitais filantrópicos cearenses está estimado em aproximadamente R$11 milhões por mês. A falta de uma fonte de custeio necessária para o cumprimento do pagamento é fato e as consequências já são notórias.
As Santas Casas e os hospitais filantrópicos já iniciaram a redução de quadros de colaboradores, de leitos, e, consequentemente, os atendimentos à população cearense. Algumas, inclusive, estão na iminência de fechamento. Além do impacto financeiro da Lei do Piso da Enfermagem, o aumento expressivo dos insumos em todas as curvas de produtos, em alguns casos de até 400%, agravaram ainda mais o desequilibro financeiro dos hospitais filantrópicos.
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