A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Senado, que investigou denúncias de corrupção nas ações de enfrentamento à covid-19, no Brasil, encerrou na noite desta terça-feira (26/10), a votação do relatório final dos trabalhos, elaborado pelo senador Renan Calheiros. A sessão, que marcou o fim de seis meses de trabalho do colegiado, foi aberta pelo relator explicando os ajustes feitos no texto desde a semana passada, quando a primeira versão do documento foi apresentada oficialmente aos senadores.
A versão trouxe as últimas considerações, discutidas pelo grupo majoritário da comissão que se reuniu ontem. Entre as novidades estão doze novos indiciados, incluindo 10 assessores e ex-assessores do Ministério da Saúde, que estariam envolvidas no “mercado paralelo” de vacinas, além do governador do Amazonas, Wilson Lima, e do ex-secretário de Saúde do estado, Marcellus Campêlo.
Os novos pedidos de indiciamento, observou o senador, foram motivados especialmente pela negociação da vacina da Davati e pela disseminação de fake news.
Durante a sessão, os senadores Marcos Rogério (DEM-RO), Alessandro Vieira (Cidadania-SE) e Eduardo Girão (Podemos-CE) tiveram 15 minutos, com mais cinco de tolerância, para apresentarem pareceres alternativos ao de Renan. Feitas as apresentações, os senadores discutiram os pontos do documento final e em seguida foi aberto processo de votação nominal aberta do texto do relator. Para aprovação do relatório final, bastava a aprovação em maioria simples, metade mais um dos membros titulares presentes.
Após a votação, os parlamentares fizeram um minuto de silêncio em memória às mais de 606 mil vítimas da Covid-19.
Em seis meses de trabalho, a CPI da Pandemia realizou 67 reuniões, votou mais de 500 requerimentos e 190 quebras de sigilo. O texto pede o indiciamento de 76 pessoas e de duas empresas. Uma delas é a Precisa Medicamentos, que intermediou a negociação de um contrato que acabou cancelado pelo Ministério da Saúde para a aquisição de 20 milhões de doses da vacina indiana Covaxin. A outra é a VTClog, contratada pelo Ministério da Saúde para cuidar da logística da distribuição de vacinas e insumos contra a covid-19, que também é suspeita de irregularidades.
Entre os nomes da lista estão o do presidente da República, Jair Bolsonaro, e de quatro ministros: Marcelo Queiroga (Saúde), Onyx Lorenzoni (Trabalho e Previdência), Wagner Rosário (Controladoria-Geral da União) e Walter Braga Netto (Defesa). Constam ainda, entre as sugestões de indiciamento, os ex-ministros Ernesto Araújo (Relações Exteriores) e Eduardo Pazuello (Saúde). Entre os parlamentares, a lista traz os deputados federais Ricardo Barros (PP-PR), líder do governo na Câmara, Osmar Terra (MDB-RS), Carla Zambelli (PSL-SP), Bia Kicis (PSL-DF) e Carlos Jordy (PSL-RJ), além de três filhos do presidente, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), o senador Flávio Bolsonaro (Patriotas-RJ) e o vereador pelo Rio de Janeiro Carlos Bolsonaro (Republicanos).
Também figuram no rol de pedidos de indiciamentos Luciano Hang, Otávio Fakhoury, Carlos Wizard, além da médica Nise Yamaguchi e do virologista Paolo Zanotto, todos nomes apontados como sendo de integrantes de um gabinete paralelo de aconselhamento do presidente na pandemia.
O relatório aprovado nesta terça-feira (26/10) com as sugestões de indiciamento será encaminhado às autoridades competentes como o Ministério Público e a Câmara dos Deputados, que poderão indiciar os citados. No relatório aprovado, além do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), foram citados quatro ministros, dois ex-ministros, seis deputados, um senador, um governador, um vereador, além de treze médicos e três empresários.
Também fazem parte da lista de indiciados, os três filhos do presidente da República, Flávio (senador), Carlos (vereador do Rio de Janeiro) e Eduardo Bolsonaro (deputado federal). No caso de Bolsonaro, que possui foro privilegiado, com dez crimes imputados entre artigos do Código Penal, do Tratado de Roma e da Lei de Responsabilidade, cabe à Procuradoria-Geral da República (PGR) analisar e realizar – ou não – o indiciamento.
O vice-presidente da CPI, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), afirmou que o relatório final deve ser entregue ao procurador-geral da República, Augusto Aras, nesta quarta-feira (27/10).
Se entender que os crimes de responsabilidade atribuídos a Bolsonaro merecem ser punidos, o presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (PP-AL), deverá decidir se coloca em pauta, no plenário, a abertura do processo de impeachment.
Ainda há a possibilidade de compartilhamento das investigações realizadas pela CPI ao Ministério Público de São Paulo (MP-SP), que criou a CPI da Prevent Senior, que apura a denúncia de crimes contra a operadora de saúde. E ainda para a Procuradoria da República no Amazonas, para investigação no colapso no sistema de saúde local no começo deste ano.
No parecer, o presidente Jair Bolsonaro é responsabilizado pela prática de nove crimes: epidemia com resultado morte; infração de medida sanitária preventiva; charlatanismo, incitação ao crime; falsificação de documento particular; emprego irregular de verbas públicas; prevaricação; crimes contra a humanidade; e crimes de responsabilidade (violação de direito social e incompatibilidade com dignidade, honra e decoro do cargo).
Na noite da terça-feira (19/10), em uma reunião na casa do senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), pontos divergentes do relatório foram discutidos pelo G7 – grupo de senadores independentes e oposicionistas. Com isso, o texto final do parecer sofreu alterações.
O grupo decidiu retirar do parecer, por exemplo, imputações ao presidente pelos crimes de genocídio contra indígenas e homicídio, que enfrentavam resistências entre o grupo majoritário na comissão. Para o senador Humberto Costa (PT-PE), que participou do encontro, o relatório de Calheiros “é consistente e sólido”, e a cúpula da comissão se preocupou em conferir mais precisão jurídica ao documento para que juízes e promotores não possam desqualificá-lo futuramente. “Não tínhamos condições técnicas para fazer esse enquadramento”, afirmou.
Apesar do recuo na tipificação de crimes, o senador Renan Calheiros disse que não haverá prejuízo ao relatório, já que o presidente da República continua enquadrado em crime contra a humanidade, em denúncia que será encaminhada pelo colegiado ao Tribunal Penal Internacional. Caso aprovadas pela CPI, as propostas de indiciamento contidas no relatório devem ser encaminhadas a instituições como o Ministério Público e a Câmara dos Deputados. “O procurador-geral da República [Augusto Aras] tem o dever de observar tudo o que foi investigado pela CPI”, cobrou o relator.
As mudanças nos tipos penais, decididas na reunião na casa de Tasso Jereissati, fizeram com que o presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Marcelo Augusto Xavier, e o secretário especial de Saúde Indígena, Robson da Silva, ficassem fora da lista final de pedidos de indiciamento. Um terceiro nome que foi retirado dessa lista é o do pastor Silas Malafaia, que havia sido incluído no relatório pela propagação de fake news.
Com informações da Agência Brasil
Leia também | Cantor gospel André Santos é preso sob acusação de aplicar golpes em lojas de luxo, no DF