A secretária de Planejamento e Gestão do governo de Minas Gerais, Luísa Barreto, usou palavras duras para se referir à mineradora Samarco e suas acionistas Vale e BHP Billiton após terminar sem consenso mais uma reunião sobre a repactuação do processo reparatório da tragédia ocorrida em Mariana (MG). Segundo Luísa, os valores e os prazos de pagamento estão distantes da expectativa, e o estado deverá caminhar para a judicialização de novas demandas. Não há mais ambiente para seguir na mesa de negociação, afirmou a secretária.
“Por ora, as negociações estão encerradas, a não ser que haja uma mudança de posicionamento forte por parte das empresas. A reunião hoje foi muito decepcionante. Há mais de um ano, discutimos a repactuação com um objetivo claro: uma reparação justa, célere e efetiva para todos os atingidos e para toda a região. E o que as empresas apresentaram é um absoluto desrespeito”, disse.
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De acordo com a secretária, as mineradoras ofereceram entre 60% e 70% do valor esperado, e a proposta não contempla as atuais gerações. “Além da questão financeira, temos também uma inadequação do prazo de pagamento. Querem um prazo bastante alongado, que não permitiria que quem viveu esse desastre visse essa reparação acontecer.”
Participaram da reunião desta quarta-feira (24/08), que ocorreu em Brasília, representantes do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), dos governos de Minas Gerais e do Espírito Santo, do Ministério Público Federal (MPF), dos ministérios públicos de Minas Gerais (MPMG) e do Espírito Santo (MPES), além de diretores da Samarco, da Vale e da BHP Billiton. Na sexta-feira (19/08), tinha sido realizada reunião com o mesmo intuito em Belo Horizonte, mas não foram divulgados detalhes do conteúdo discutido.
Nesta quarta-feira, após o encontro, a Vale divulgou nota, mas sem informações novas. “Os diálogos buscam soluções para conferir celeridade, eficiência e definitividade ao processo reparatório. A negociação segue em andamento. A Vale, como acionista da Samarco, reforça o compromisso com a reparação dos danos causados pelo rompimento da barragem”, diz o texto. Na mesma linha, a Samarco se disse comprometida com as comunidades atingidas e aberta ao diálogo com as autoridades competentes.
As negociações ocorrem no âmbito de uma mediação conduzida pelo CNJ e voltada para a repactuação de todos os esforços de reparação. A falta de transparência nas tratativas, no entanto, tem incomodado entidades ligadas aos atingidos pela tragédia. Críticas foram expostas na última segunda-feira (21), em audiência pública convocada pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais para discutir a questão. “O pessoal confunde falar com participar. Participar é sentar à mesa, discutir a pauta, levando os problemas da comunidade e da bacia do Rio Doce”, disse Simone Maria da Silva, que faz parte da comissão de atingidos da cidade de Barra Longa (MG).
Para Joceli Andrioli, dirigente do Movimento dos Atingidos por Barragem (MAB), o que está sendo construído é mais um acordo de cúpula que não resolverá os principais problemas. “Infelizmente, pouco se aprendeu do ponto de vista institucional em todos esses anos. Não nos calaremos até alcançar de fato o Rio Doce vivo, uma justiça concreta e uma reparação concreta aos atingidos”, disse. Também participaram da discussão representantes da comunidade indígena Uchô Betlháro Purí, da comissão de atingidos de Governador Valadares e da Cáritas, entidade que presta assessoria técnica às vítimas que moram em Mariana.
Em pouco mais de dois meses, a tragédia completará sete anos. Em 5 de novembro de 2015, o rompimento da barragem da Samarco liberou uma avalanche de rejeitos que alcançou o Rio Doce e escoou até a foz, causando impactos socioambientais e socioeconômicos em cidades mineiras e capixabas, além de 19 mortes. A gestão de todas as ações de reparação ficaram a cargo da Fundação Renova, mantida com recursos da Samarco e das acionistas Vale e BHP Billiton. A Renova foi criada em 2016, atendendo a termo de transação e ajustamento de conduta firmado entre as três mineradoras e os governos federal, de Minas Gerais e do Espírito Santo.
O trabalho da fundação é criticado por comissões de atingidos e instituições da Justiça que não participaram do acordo. Após a tragédia, o MPF moveu ação civil pública estimando os prejuízos em R$ 155 bilhões. Mais recentemente, o MPMG chegou a pedir judicialmente a extinção da Fundação Renova, alegando que a entidade não tem autonomia frente às mineradoras. A morosidade de alguns programas também motivou questionamentos judiciais: a reconstrução das duas comunidades destruídas em Mariana, por exemplo, até hoje não foi concluída.
A falta de pagamento de indenizações também deu origem a processos movidos pelo MPMG e por diversos atingidos. Em 2020, respaldado por decisão judicial, foi implantado o Sistema Novel que, segundo a Fundação Renova, destravou o processo indenizatório. Dados da entidade, atualizados até junho deste ano, indicam que os novos procedimentos levaram ao pagamento de R$ 7,09 bilhões para 66,6 mil pessoas, representando 78,2% de todas as indenizações pagas desde o rompimento da barragem. O MPMG, que questiona valores e exigências feitas aos atingidos, conseguiu recentemente uma decisão favorável que revê regras do Sistema Novel na cidade mineira de Naque.
Segundo o Conselho Nacional de Justiça, tramitam no país cerca de 85 mil processos judiciais relacionadas à tragédia. O trabalho de mediação teve início com intuito de buscar uma solução para esse quadro.
Desde o início das conversas, o Ministério Público Federal e o de Minas Gerais defendem a assinatura de um novo termo de reparação com as mineradoras, estabelecendo outro modelo de governança, similar ao do acordo da tragédia de Brumadinho, em 2019, na qual 270 pessoas morreram após o rompimento de uma barragem da Vale, que atingiu a bacia do Rio Paraopeba: foi previsto o aporte de R$ 37,68 bilhões sem envolvimento de uma entidade nos moldes da Fundação Renova. Porém, esse valor não abarca as indenizações individuais, tratadas separadamente.
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Segundo a Fundação Renova, as medidas de reparação da tragédia em Mariana já consumiram R$ 23,06 bilhões, conforme dados atualizados até junho. Deste total, R$ 9,15 bilhões se referem a indenizações individuais. O MPF defende valor de referência da repactuação de R$ 155 bilhões, como foi calculado na ação movida após a tragédia, posição também encampada pelo MPMG e pelo governo mineiro. Eles levam em conta que, embora tenha se registrado menos mortes, a extensão dos danos socioeconômicos e socioambientais na bacia do Rio Doce é bem superior ao ocorrido na bacia do Rio Paraopeba.
Em julho do ano passado, quando anunciou a implantação do processo de mediação, o CNJ assegurou que os atingidos seriam ouvidos.
Nesta sexta-feira (26), haverá audiência pública no município de Baixo Guandu, Espírito Santo. Anteriormente, três audiências públicas foram realizadas em formato virtual, e participantes se queixaram de problemas como contaminação da água, ineficiência dos programas de reparação e falta de assessorias técnicas, direito que foi conquistado judicialmente, mas não foi efetivado em muitos municípios.
“Os atingidos precisam estar na mesa de negociação. Precisam ter poder de decisão junto aos órgãos competentes que já estão na mesa”, disse Rômulo Araújo, morador de São Mateus, Espírito Santo, durante audiência em novembro do ano passado. Passados dez meses, a audiência realizada nesta semana pela Assembleia Legislativa mineira mostrou que esta continua sendo uma reivindicação dos atingidos.
Joceli lamenta a falta de transparência e a forma como as informações chegam aos atingidos. “É um dos maiores crimes ambientais do mundo. Estamos falando da precificação de um crime que é quatro ou cinco veze s maior que o de Brumadinho. Já escutamos cifras de R$ 80 bilhões. Agora escutamos falar em R$ 43 bilhões. Quem está fazendo essa conta? Até hoje os atingidos estão sem assessoria técnica e não é por acaso. É para o povo não ter informações”, afirma.
Por Léo Rodrigues – Repórter da Agência Brasil – Rio de Janeiro
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