O relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) da Organização das Nações Unidas (ONU) traz um dos mais fortes trabalhos já produzidos pelo organismo, sobretudo por associar a influência humana aos eventos climáticos extremos, que, caracterizados com muita propriedade em alguns casos, não existiriam sem a participação humana, como é o caso das ondas de calor, das fortes chuvas e das secas. A avaliação é da professora titular aposentada do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) Thelma Krug, atual.vice-presidente do IPCC e ex-diretora do Departamento de Políticas de Combate ao Desmatamento do Ministério do Meio Ambiente.
Segundo Thelma, é indiscutível a influência humana no sistema climático como um todo, e o relatório da ONU traz com muito mais robustez processos mais refinados, dados cada vez melhores, a resposta climática às emissões. “Isso fica muito bem caracterizado. É uma mensagem científica muito clara, e tenho certeza de que essas mensagens, que foram todas aprovadas por consenso na reunião do IPCC na semana passada, terão reflexo no IPCC como um todo, e esperamos que reverberem no mundo político”, disse Thelma, ao participar nesta terça-feira (10) do webinário O Brasil e as Mudanças Climáticas: o novo relatório do IPCC, organizado pela Academia Brasileira de Ciência (ABC) e que teve transmissão pelo YouTube.
No encontro, foram apresentadas as principais conclusões do Grupo de Trabalho I do Sexto Relatório de Avaliação do IPCC sobre as bases físicas das mudanças do clima. Também participaram do evento o professor de física da Universidade de São Paulo (USP) Paulo Artuxo; o pesquisador sênior do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações José Marengo e o pesquisador do Inpe Lincoln Alves, que trabalharam no ciclo do IPCC que resultou no relatório, que dará a direção científica da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP-26), em novembro, em Glasgow, na Escócia.
Segundo Thelma, o painel teve participação de 234 autores de 66 países e apoio de 36 editores de revisão. Eles asseguram que todos os comentários entregues pelos governos e minutas de relatórios sejam avaliados um a um para evitar que não haja nenhuma tendência nas respostas. Também foi feita uma consulta a 14 mil artigos científicos. Segundo a professora, o IPCC não elabora pesquisas, mas avalia publicações relevantes sobre o tema em todo o mundo. Antes de ser divulgada a última versão, é feita uma revisão em duas minutas do texto.
A pesquisadora destacou o interesse dos governos em que os cientistas entendam as necessidades de cada um para facilitar a tomada de decisões, especialmente no fórum mais político,que seria a Convenção Quadro das Nações sobre a Mudança do Clima. “Os relatórios do IPCC têm tido papel importante na ponte entre a ciência e a política, desde o relatório 1, que ajudou no estabelecimento da Convenção do Clima em 1992 na Rio 92.”
O Brasil é um dos 195 países-membros do IPCC, cuja estrutura é dividida em três grupos de trabalho. O Grupo 1,que elaborou o relatório divulgado ontem (9), tem foco na base da ciência física do clima; o Grupo 2, que trata dos impactos, adaptações e vulnerabilidade, apresentará um relatório em fevereiro de 2022; e o Grupo 3, que avalia a mitigação das mudanças do clima, deve divulgar seu e trabalho em março de 2022.
“Enquanto o Grupo 2 tem a relevância de mostrar muitos impactos não só globais, mas também regionalizados, o 3 foca mais no que se pode fazer para limitar o aquecimento”, afirmou Thelma, ao ressaltar que o IPCC tem uma força-tarefa que cuida da elaboração dos manuais metodológicos para os inventários nacionais de gases de efeito estufa usados por todos os países integrantes.
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O professor Paulo Artaxo destacou a linguagem mais incisiva deste relatório em relação aos trabalhos anteriores e lembrou que mudanças recentes ocorridas no clima são generalizadas e rápidas. “Nosso papel de mudança no clima é absolutamente inequívoco e sem precedentes nos últimos 6.500 anos. O relatório também coloca recados para os tomadores de decisão. O IPCC não faz política, não é responsável pela redução de emissões, mas manda mensagens científicas, e a mensagem é que, a menos que haja reduções imediatas rápidas e em grande escala nas emissões de gases de efeito estufa, limitar o aquecimento em 1,5 grau pode ser impossível.”
Artaxo destacou que essa é a voz da ciência, que coloca em uma situação quase emergencial a necessidade de redução das emissões.
Ele acrescentou que, conforme cenários analisados, a Amazônia pode se tornar fonte de carbono para a atmosfera global, se houver uma redução muito significativa da absorção de carbono da Floresta Amazônica causada pelo aumento da temperatura e redução das precipitações.
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De acordo com o pesquisador José Marengo, o aquecimento global não pode ser explicado somente por fatores naturais, o que ficou mais evidente desde 1980.
Isso ocorre também com os eventos extremos de chuva. “Assim como a temperatura, os extremos mostram que o efeito humano é nítido, claro, e é responsável por explicar melhor as tendências observadas particularmente nos últimos 20 anos.”
Lincoln Alves, do Inpe, que analisou características regionais no Atlas interativo do IPCC, apontou o aumento significativo de eventos extremos, seja de secas, seja de precipitações.
“As projeções indicam que cada 0,5 grau adicional de aquecimento causa de fato aumentos claros e perceptíveis na intensidade dos eventos de precipitação, bem como nas secas que temos observado em várias regiões do país”, acrescentou.
*Por Cristina Indio do Brasil – Repórter da Agência Brasil
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