Uma severa seca está desafiando diversas regiões brasileiras. A falta de água impacta a geração de energia, a agropecuária e mesmo a atividade industrial, impactando negativamente os custos de produção e os preços finais de produtos essenciais para o consumidor. Em muitas cidades desenvolvidas o simples cotidiano do brasileiro começa a ser duramente afetado pela seca. A imposição do racionamento nas residências, as tarifas aumentadas, a imprevisibilidade da disponibilidade ou a simples escassez para o consumo humano mais básico já afeta regiões outrora fartas de águas.
Neste ano, o Centro-Sul do país tem sido a região mais afetada. As áreas mais impactadas estão localizadas entre São Paulo, Mato Grosso do Sul, Goiás e Minas Gerais. Muitas cidades estão em condições consideradas de seca extrema. Mesmo áreas urbanas mais desenvolvidas e com infraestrutura moderna, como a Região Metropolitana de Curitiba, têm vivenciado rodízios de abastecimento de água.
Não é possível simplesmente esperar por mais chuvas. Há um grande espaço para a intervenção humana na mitigação dos impactos da seca e mesmo para se garantir água para o consumo humano. O papel do poder público é fundamental, seja no estímulo ao desenvolvimento de inteligência e inovação na área, no investimento público em infraestruturas hídricas eficientes, no desenvolvimento de sistemas avançados e participativos de gerenciamento público do uso e reuso das águas ou no desenvolvimento de meios produtivos de baixo consumo.
Em muitos casos, os cenários de adversidades extremas têm estimulado soluções próprias, vanguardistas e inovadoras. Merece destaque o exemplo de Israel, que passou a ser referência de como o Estado e a sociedade conseguem dar respostas a um dos maiores obstáculos ao seu desenvolvimento, apostando em dois pilares: a ciência e o investimento público na área.
No Brasil ainda há muito o que se avançar. Grande exemplo disso é o impacto severo da seca neste ano na região mais desenvolvida do país. No coração do semiárido nordestino, o meu estado do Ceará tem seu cenário natural desafiador desde sempre e foi forjado nessa dificuldade com a seca. Mas ao longo do tempo o Ceará desenvolveu uma boa governança dos recursos hídricos. Inclusive com participação popular, a partir dos Comitês de Bacias, e das pesquisas tecnológicas.
Dada a adversidade do nosso solo, insidiosamente cristalino, e da escassez e irregularidade das chuvas com secas cíclicas e ausência de água para a produção, para o consumo humano e mesmo para a sobrevivência, o Ceará foi buscar suas próprias soluções. A clareza do diagnóstico público de que a questão da água era um entrave ao nosso desenvolvimento foi motivador para catalisar ações públicas vitoriosas, capazes de sustentar as boas ideias, os projetos desenvolvidos e as obras hídricas ao longo do tempo.
Diria até que as escolhas certas de políticas públicas implantadas, a continuidade delas através de diferentes governos e a permanente parceria com o pensamento acadêmico e os movimentos sociais são marcas distintas das políticas públicas de recursos hídricos no Ceará. Isso tem transformado o grave desafio hídrico cearense em soluções, tecnologias e políticas públicas locais que servem hoje de referências para o país.
Açudes regionais e obras de infraestrutura como a extraordinária obra do Canal do Trabalhador, que evitou o completo colapso hídrico da Capital, construído em tempo recorde; o majestoso Açude do Castanhão, complementado pelas obras do Eixão das Águas, que tem garantido o abastecimento metropolitano e ainda do Complexo Industrial e Portuário do Pecém; a engenhosa obra do Cinturão das Águas, que já canaliza as águas do São Francisco que chegam ao Sul do Ceará, perenizando as bacias hidrográficas do estado; até a parceria público-privada recém-iniciada para a instalação de uma planta moderna e inovadora de dessalinização de água marítima em Fortaleza são exemplos do que a boa política é capaz de transformar.
Além disso, merece destaque o desenvolvimento de um sistema estadual público e único, participativo e com critérios claros para o gerenciamento do uso das águas para os mais diversos fins. O estado do Ceará continuará enfrentando as intempéries da natureza. Entretanto, o impacto das recorrentes secas vividas ao longo do tempo tem sido cada vez menor. A força das boas ideias, da mobilização popular em torno das suas necessidades, a presença de grupos acadêmicos de excelência em recursos hídricos e, em especial, do poder público presente, eficiente e parceiro da sociedade civil organizada é capaz de aferir conquistas impensáveis anos atrás. O Ceará é no mínimo um bom exemplo de vitória civilizatória promovidas pelo poder público.
Fica claro que sem um estado competente, coordenador e líder não haverá respostas às nossas contradições econômicas e sociais mais profundas Brasil adentro. As consequências excessivamente duras e graves das secas em áreas ricas do país são ilustrações de como o estado brasileiro tem sido limitado na sua capacidade de responder mesmo aos mais históricos e tradicionais desafios da natureza, como a seca.
E fiquemos certos: o mercado não tem interesse em dar respostas ao enfrentamento da seca. Talvez, no máximo, queira ser parceiro de soluções lideradas e planejadas pelo setor público. Cabe, sim, ao estado brasileiro apostar em gente, em ideias, pesquisas, projetos e investimentos públicos de interesse nacional como, por exemplo, aqueles que enfrentam de forma criativa, inovadora e definitiva os desafios da seca nas mais distintas regiões brasileiras.
Roberto Claudio é ex-prefeito de Fortaleza. Administrou Fortaleza em dois mandatos (2013/2016 e 2017/2020). Também foi deputado estadual e presidente da Assembleia Legislativa do Estado do Ceará (2011/2013).
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