O beato Antônio Conselheiro é o autor da profecia de que “o sertão vai virar mar”, proferida em 1833, quando o beato cearense de Quixeramobim fundou o Arraial de Canudos, no sertão da Bahia, que viria a se tornar o histórico palco da Guerra de Canudos, relatada por Euclides da Cunha em “Os Sertões” e que tinha como contendores, de um lado, os seguidores do beato e, do outro, as forças do Império, na segunda metade do século XIX.
O sertão não virou mar, embora muitas manchas do solo da caatinga tenham dado lugar a açudagem que ainda hoje salva o semiárido das intempéries da seca.
No tempo presente, longe de ser uma profecia temos, sim, a constatação de que o sertão está virando mesmo um mar … de placas solares, de usinas eólicas e outras fontes geradoras de energia limpa. No solo seco do sertão, o espelho laminado de placas captadoras da energia do sol, por exemplo, já confirma que o Nordeste brasileiro descortina uma nova fronteira de desenvolvimento a partir de fontes sustentáveis de energia.
O resgate da lendária profecia aplicada aos dias de hoje, permite-nos dizer que aqui no Ceará e em outros estados nordestinos, temos um mar de oportunidades a partir das alternativas de geração de energia.
Nesta semana, visitei o canteiro de obras de instalação de uma usina de energia solar em área de sertão, que deve estar concluído até o mês de dezembro, ocupando com placas mais de 500 hectares (o equivalente a 500 campos de futebol), e que vai gerar 250 megawatts de energia, o que pode atender até 800 mil residências.
É de impressionar como temos razões para mudar o campo de observação de tudo o que vivenciávamos antes, muitas vezes maldizendo o sol que secava o açude, tocando os nordestinos para o Sudeste em busca da sobrevivência, e, agora, como é “matéria-prima” descortinando novos horizontes de desenvolvimento econômico.
O Nordeste do Brasil tem as condições favoráveis do sol, do vento, das marés e está levando a geração de energia por essas fontes a bater recordes nos últimos anos.
Podemos dizer que o Nordeste é, hoje, também, movido pelo sol, pelo vento! Só com relação aos parques eólicos, o Nordeste tem cerca de 85% de todos os parques instalados no Brasil.
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Em pouco mais de trinta anos, o Brasil que tinha como praticamente fonte única de origem renovável, a hidráulica para estar entre os dez maiores produtores mundiais de energia, até então dita como alternativa. E nesse campo, o Nordeste é protagonista disparado, com o Estado do Ceará tendo papel de destaque, gerando, hoje, 42% da energia que demanda só com eólica.
Mas a geração de energia limpa é muito mais do que o simples aspecto da capacidade de autossuficiência energética. Com as exigências que o mercado mundial está a fazer nos cuidados com o meio ambiente, ter responsabilidade social e adotar melhores práticas de governança tornou-se obrigação para todas as empresas e corporações mundo afora.
Nesse contexto, o conceito ESG – Environmental, Social and Governance (Ambiental, Social e Governança, em tradução livre) chegou para mostrar como são definidos atualmente os critérios de escolha dos investidores. As vantagens competitivas de quem está em sintonia com o conceito ESG sinalizam que um amplo espectro de possibilidades ocupa o horizonte com uma nova fronteira de desenvolvimento para a Região Nordeste.
Aqui no Ceará, a ação coordenada pelo Governo do Estado deve garantir uma nova fronteira tecnológica para a indústria química nacional com o hidrogênio verde. A partir de um hub que se projeta no Porto do Pecem, o Ceará deverá ancorar investimentos que poderão se converter em um segmento energético que dará ao Brasil o posto de líder mundial no movimento de transição para a economia de baixo carbono.
No presente, já temos em energia solar uma capacidade instalada de 219 MW em nove usinas, ainda com capacidade contratada para outras 74 usinas com geração de 2.601 MW. Com relação a energia eólica já temos capacidade instalada de 2.395 MW em 94 usinas e capacidade contratada de 238 MW em outras nove usinas. Também temos em offshore seis parques em licenciamento.
E o cenário é ainda mais promissor. Somente a União Europeia já se comprometeu a investir US$ 430 bilhões em hidrogênio verde até 2030, condição imperativa para alcançar a meta de ter impacto neutro no clima até 2050. A União Europeia quer instalar eletrolisadores de hidrogênio renovável de 40 gigawatts (GW) já para na próxima década.
Ninguém duvida que o conceito ESG é a referência que vai definir quem estará vivo no mercado nas próximas décadas, assim como temos a certeza de que o nosso potencial energético com as matrizes sustentáveis irão sinalizar como o sertão e o litoral do Nordeste comporão esse mar de novos investimentos e de responsabilidade com a sobrevivência do nosso planeta.
Roberto Claudio Rodrigues Bezerra foi por duas vezes (2013 a 2020) prefeito de Fortaleza (CE), cidade na qual é o presidente do Diretório Municipal do PDT. É médico sanitarista, com PhD em Saúde Pública pela Universidade do Arizona.
Conteúdo original publicado no site Congresso em Foco
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