A forma cíclica como o mundo se vê desafiado a combater surtos epidêmicos sempre foi motivação para ações e programas de saúde no Brasil. Nós estamos a registrar, por exemplo, uma conquista da saúde brasileira que foi, há pouco mais de 30 anos, o começo do que podemos chamar de nossa “revolução” contra uma das mais fatais enfermidades que o mundo experimentou: a Aids.
Foi ainda no ano de 1991 que o Brasil iniciou a distribuição gratuita de antirretrovirais pelo SUS, o nosso tão atacado Sistema Único de Saúde. Sem dúvida, o maior plano de saúde do mundo, o único integral e universal que disponibiliza, sem carência ou mensalidade, a assistência a 220 milhões de usuários. E foi o modelo do sistema público brasileiro de saúde que inspirou, anos depois, o programa de assistência na África do Sul, considerado o epicentro global da doença.
Olhando o histórico dos programas e linhas de assistência do SUS, podemos atestar do que somos capazes no Brasil, quando temos que enfrentar problemas de saúde pública. É só verificar que também reeditamos esse espírito desbravador e humanitário mais recentemente, na pandemia do covid-19 que devastou o mundo e que colocou em sobressalto, por praticamente dois anos, toda a população mundial, entre ricos e pobres, brancos e negros, homens e mulheres, ateus e cristãos.
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E, mais uma vez, o nosso sistema público de saúde foi o ponto de inflexão para a reversão da pandemia no Brasil, apesar do descalabro de quase 670 mil mortes que trazem como DNA a marca de dirigentes negacionistas que estavam (ou ainda estão) em postos de comando e que claudicaram em momentos de aguda necessidade do povo brasileiro para o enfrentamento da crise sanitária.
Assim como a Aids, a covid-19 é uma doença “democrática”, “uniformemente fatal”, para usar a definição do médico Drauzio Varella, um expoente na abordagem de temas relativos à saúde pública em nosso País.
Em se tratando da Aids, foi possível atestar que à medida em que a imunidade do paciente ia caindo, infecções oportunistas iam acometendo, como as pneumonias, meningites e lesões cerebrais por toxoplasmose.
Tratava-se uma infecção e vinha outra, em seguida mais outra e o doente, num crescendo de debilidades orgânicas, acabava por não sobreviver. Hoje, sabemos que a Aids sem tratamento não mais faz parte da história da saúde pública no Brasil.
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Repito, há pouco mais de 30 anos, em 1991 para ser mais exato, nosso País iniciou a compra e a distribuição gratuita de remédios contra o HIV pelo SUS. Começamos pelo AZT e depois incorporamos os inibidores de protease, uma enzima que edita as proteínas do HIV e impedem a expansão do vírus que fica dormente.
A aquisição desses novos medicamentos pelo SUS, àquela época, não foi simples, não foi tarefa fácil. Houve a necessidade de negociações duras com relação a preços com a indústria farmacêutica e também a quebra de patente. Mas o esforço deu certo e produziu resultados concretos no Brasil e, a partir do nosso exemplo, replicou-se em outros países mundo afora.
Para que isso acontecesse houve a imperativa necessidade de uma decisão política de governo, postura totalmente impossível de se tornar crível no tempo presente em nosso País, por absoluta falta de compromisso com a ciência e com os reais interesses do povo brasileiro pela ótica e ações dos atuais mandatários da Nação.
Lá nos idos dos anos 2000, na África do Sul, um governo negacionista como o que temos hoje no Brasil, dizia que o HIV não causava Aids, então não tinha por que gastar dinheiro com a compra de antirretrovirais.
Foi por isso que a organização Médicos Sem Fronteiras, que lutava contra a Aids na África do Sul, com seus mais de 4 milhões de infectados, o equivalente a 10% da população, e com mil mortes por dia em decorrência do HIV, decidiu comprar cargas de coquetel antiaids do governo brasileiro, com preços baixos, e levou para a África do Sul.
O sucesso veio um ano depois, quando 91% dos pacientes tratados por eles venciam a doença. A partir daí, em 2003, o governo negacionista da África do Sul rendeu-se à supremacia da ciência e passou a distribuir o coquetel antiaids.
Por aqui, no tempo presente, ainda estamos a brigar contra quem não demonstra obediência à ciência. Seguramente por quem não quer dar o braço a torcer e se render aos princípios do conhecimento científico. Falta-lhes, sobretudo, humanidade e a decisão política de atuar em prol do bem comum.
A sabedoria popular diz que “a palavra convence, mas é o exemplo que arrasta”.
Para o tempo presente fica o desafio de propugnar esforços por um SUS cada vez mais forte, livre do subfinanciamento e sem o boicote deliberado que sofre do governo central que, cada vez mais, onera governos estaduais e municipais para pagar a conta da saúde pública em nosso País!
Roberto Claudio Rodrigues Bezerra foi por duas vezes (2013 a 2020) prefeito de Fortaleza (CE), cidade na qual é o presidente do Diretório Municipal do PDT. É médico sanitarista, com PhD em Saúde Pública pela Universidade do Arizona.
Conteúdo original publicado no site Congresso em Foco.
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