

Desde 1995, o país adota modelo que concentra a cobrança de impostos nas empresas, evitando dupla tributação. Especialista explica os motivos e os possíveis impactos de alterar esse sistema | Foto: reprodução
14 de outubro de 2025 – Desde 1995, o país optou por concentrar a tributação na pessoa jurídica, em vez de cobrar novamente quando o lucro chega ao acionista, a alíquota foi incorporada ao IRPJ. A solução foi simples e prática: cobrar no “andar de cima”, em que a fiscalização é mais eficiente, e deixar o dividendo sair limpo para o investidor. Esse desenho tem custos e benefícios, e antes de adotar mudanças ao sabor de modelos estrangeiros, precisamos entender quais são.
A lógica que norteou a escolha é simples e tem peso prático. Cobrar o imposto na empresa reduz a necessidade de rastrear/fiscalizar milhões de pessoas físicas, facilita a arrecadação e diminui a complexidade administrativa. Para um país com enorme economia informal e capacidade de fiscalização limitada, concentrar o controle onde há menos agentes a monitorar fazia sentido. O resultado foi um modelo de “um andar só”: a empresa paga, o lucro que chega ao sócio ou acionista já saiu com o encargo embutido e a distribuição é isenta.
Há vozes favoráveis (políticos, economistas, governo…) à taxação dos dividendos que invocam a convergência internacional, apontando que a maioria dos países adota alguma forma de “tributação dupla”, imposto sobre o lucro da empresa e novo imposto sobre a distribuição. Entretanto, essa comparação é incompleta se feita sem contexto.
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Países que taxam dividendos normalmente combinam essa regra com sistemas tributários mais simples, menores distorções regulatórias e mecanismos eficazes de combate ao contorno fiscal. No Brasil, a carga combinada de impostos indiretos + diretos e a alta complexidade do sistema mudam radicalmente o ambiente: tributar dividendos aqui significa abrir uma porta larga para distorções e planejamentos agressivos.
Tributar dividendos não é apenas uma questão de alíquota, é também um convite à criatividade tributária. Empresários com necessidade de consumir ou investir pessoalmente podem simplesmente deslocar gastos para o nome da empresa, comprar veículos, contratar serviços ou captar bens no balanço e, assim, driblar a cobrança. Para evitar essa migração de renda, seria preciso um aparato de fiscalização massivo, caro e difícil de implementar. O efeito prático pode ser o oposto do desejado: perda de arrecadação, aumento do contencioso e mais espaço para fraudes sofisticadas.
Há ainda uma questão distributiva que merece atenção. A proposta de tributar dividendos costuma ser apresentada como ferramenta de justiça fiscal, cobrar os mais ricos que recebem maiores distribuições. Mas, no Brasil, muitos pequenos empresários que empregam dezenas ou centenas de pessoas recebem lucros (dividendos) como principal forma de remuneração. Uma taxação mal desenhada pode penalizar negócios familiares e microempresas que sustentam empregos locais, sem, necessariamente, alcançar os grandes investidores que usam estruturas complexas para proteger seu patrimônio.
Estimativas da Receita Federal do Brasil apontam para uma chamada “alíquota de equilíbrio”. Para compensar 1 ponto percentual a menos na tributação sobre o lucro das empresas, seria preciso aplicar algo como 4 pontos percentuais sobre o dividendo para manter a arrecadação. Ou seja, a conta não fecha linearmente e isso significa que, para não perder receita, a taxa sobre dividendos teria de ser alta, tornando o imposto ainda mais perverso em termos de incentivos.
Se o objetivo é reduzir desigualdades e aumentar a arrecadação com justiça, há instrumentos mais eficazes e menos distorcivos: corrigir a tabela do Imposto de Renda da Pessoa Física, avançar na desoneração da folha de pagamentos para estimular emprego formal, simplificar tributos para reduzir custo de compliance e atacar privilégios e isenções injustificadas. Essas medidas aumentariam a equidade fiscal sem criar incentivos automáticos à elisão e à economia informal.
Importar modelos estrangeiros sem considerar a realidade institucional brasileira tende a ser superficial. Tributar dividendos é uma solução aparentemente “à moda”, mas não resolve o cerne do problema: um sistema tributário fragmentado, uma economia de alta carga indireta e uma administração fiscal que, apesar dos avanços, ainda encontra dificuldades para perseguir estruturas de planejamento agressivo.
Manter a isenção sobre dividendos não é um ato de fé no privilégio, é um reconhecimento pragmático das limitações do nosso desenho institucional e uma defesa de um ambiente menos sujeito a distorções que prejudicam investimento e emprego.
Se houver disposição política para modernizar e simplificar o sistema tributário, reduzir a carga sobre o trabalho, combater privilégios e ampliar a eficiência da arrecadação, então poderemos revisitar a estrutura de tributação das distribuições de lucro. Até lá, tributar dividendos no Brasil corre sério risco de ser um retrocesso: mais complexidade, mais sonegação e, no fim, menos crescimento.
Murillo Torelli é professor de Ciências Contábeis da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM)
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