As normas que regem o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) estão em análise no Supremo Tribunal Federal (STF) e a última decisão foi a de adiar por 90 dias qualquer alteração nas regras. O adiamento é sensato, permitindo rememorar a história de um instrumento crucial para a estabilidade social e a oferta de habitação para milhões de famílias brasileiras.
Com as regras vigentes, o FGTS viabiliza, por meio de taxas financiamento mais baixas aos compradores, acesso à moradia digna às famílias de baixa renda. Isso seria inviável em caso de aumento da remuneração paga aos cotistas do Fundo. O que se pretende a título de justiça social pode, na verdade, ser um grave equívoco, inviabilizando um reconhecido e eficaz programa de governo brasileiro, que tem como objetivo combater o déficit habitacional de 7,8 milhões de famílias, além de impulsionar a atividade econômica.
De 2009 até o ano passado, o programa Minha Casa Minha Vida (MCMV) permitiu a produção de 2,5 milhões de moradias. Em média, cerca de 350 mil famílias foram beneficiadas a cada ano e foi possível a geração de 2,7 milhões de empregos, entre diretos e indiretos. Os números retratam um enorme êxito, com vastas implicações. A construção civil contribuiu para a redução do desemprego formal, hoje constatada nas estatísticas da Pnad Contínua do IBGE.
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A maioria absoluta (86%) das famílias que adquiriram seus imóveis pelo MCMV tem rendimento mensal de até quatro salários mínimos, segundo dados de 2021. Elas não teriam acesso à moradia própria se não houvesse um programa social equilibrado e sustentável.
Uma alta de 3% ao ano no juro da habitação social, que resultaria de proposta apresentada no STF, inviabilizaria o financiamento social nas bases atuais. Cerca de 75% das famílias perderiam o acesso ao MCMV, tendo como consequência o agravamento do déficit habitacional, concentrado em 90% das famílias com renda inferior a 3 salários mínimos.
Cabe lembrar que os cotistas do Fundo estão atendidos. A renda das contas do FGTS foi elevada mediante a transferência da maior parte dos lucros do Fundo para os cotistas. Assim se fez a justiça ora pretendida, sem criar empecilhos à oferta de crédito com recursos do FGTS.
Há uma característica relevante na composição das contas do FGTS: os trabalhadores com carteira assinada e renda superior a 6 salários mínimos detêm 80% dos saldos do Fundo. Com tais recursos é possível financiar a maioria dos trabalhadores que recebe até 4 salários mínimos mensais (85% da população). Uma alta dos juros concentraria benefícios nas faixas de maior renda, ao mesmo tempo em que afastaria as classes de menor renda do acesso à habitação.
As consequências de um aumento dos juros no FGTS podem, assim, ser extraordinariamente nocivas às políticas públicas, à economia e à promoção de investimentos. Para crescer, as nações precisam ter regras estáveis e políticas previsíveis. A prosperidade depende de instituições que permitam ampliar o número de pessoas com acesso a bens essenciais, como é o caso da moradia. Fortalecer as faixas de menor renda é o caminho seguido por países democráticos para desenvolver seus mercados e atrair investidores. É do que se precisa no Brasil.
Isso significa uma economia mais pujante, com mais emprego, mais renda e mais participantes. Criado em 1966 e em vigor a partir de janeiro de 1967, o FGTS tornou-se um exemplo de boas políticas públicas. É um instrumento consagrado que ajudou a estabilizar as relações de emprego, estimulou as contratações de pessoal com carteira assinada e ampliou enormemente o acesso à habitação.
É do Prêmio Nobel Douglas North a citação de que “as instituições são invenções humanas criadas para estruturar as interações políticas, econômicas e sociais ao longo do tempo”. Podemos afirmar que este é o resultado da boa aplicação do FGTS. Num cenário de tanta complexidade, mudar as regras do Fundo pode ser uma temeridade.
Luiz França é o presidente da Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc)
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