Existem dívidas historicamente impagáveis. O Brasil foi o último país do Ocidente a abolir a escravidão africana, após longos séculos de exploração e abuso. Tal realidade exige um esforço efetivo da sociedade brasileira para imaginar meios de reparação e repressão a comportamentos racistas.
Desde a Lei Afonso Arinos (Lei nº. 1.390/1951) até a vigente Constituição Federal, com a previsão de imprescritibilidade do crime de racismo, a estrutura normativa brasileira busca punir condutas racistas. Recentemente, a lei nº 7.716/1989 foi alterada pela lei nº 14.532/2023, produzindo mudanças sensíveis no tratamento legal dos crimes de injúria racial e racismo, com repercussões penais e processuais penais.
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Modificação importante tem-se com o aumento da pena abstrata, para 2 a 5 anos, no delito de injúria racial (antes 1 a 3 anos). Por si só, isso já produz diversas consequências jurídicas. Uma delas, vê-se na alteração do rito processual a ser aplicado, substituindo-se o procedimento sumário pelo ordinário que, apesar de possuir a mesma dinâmica de atos, admite um número maior de testemunhas (de 5 para 8).
Doravante, com a pena máxima prevista em 5 anos, pode-se vedar a conversão da pena privativa de liberdade em pena restritiva de direitos – as ditas penas alternativas -, já que o art. 44 do Código Penal autoriza tal substituição apenas para delitos dolosos praticados sem violência ou grave ameaça, cuja pena não exceda 4 anos. Assim, se no caso concreto, a pena aplicada superar esse patamar, o condenado não fará jus a substituição da sanção.
Com este aumento da pena abstrata prevista para injúria racial, passa-se a permitir a utilização da prisão preventiva, nos termos dos arts. 312 e 313 do Código de Processo Penal. Por disposição expressa contida no CPP, para a decretação de tal modalidade de custódia, o delito deve possuir pena máxima superior a 4 anos, salvo hipóteses de reincidência ou violência doméstica. Com o novo patamar máximo de sanção (5 anos), o agente que cometer o crime poderá ser preventivamente limitado em sua liberdade.
Outra das inovações da Lei nº 14.532/2023 diz respeito à repressão do denominado “racismo recreativo”, um dos traços mais característicos do racismo estrutural. Agora, aquele que realizar ações típicas de injúria racial, “com intuito de descontração, diversão ou recreação” (art. 20-A), igualmente terá praticado o delito. Tal medida é importante para reprimir ações racistas “disfarçadas” de ato jocoso. Afinal, piada que ofende e agride não tem a menor graça.
A nova estrutura normativa referente ao enfrentamento do racismo e da injúria racial representa uma importante medida do Estado brasileiro, embora tardia, no combate a um mal social grave. Ainda que em parte, a nova legislação representa tentativa de pagar o impagável – tornando o antirracismo inapagável.
Rafael Gonçalves Mota, Advogado Criminalista, Doutor em Direito Constitucional e Pós-doutor em Ciências Militares
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