Apesar dos ataques da Rússia em território ucraniano nas últimas quase 24 horas, pesquisadores ainda apostam em uma saída diplomática para a disputa. O fato de o conflito envolver potências nucleares, como a própria Rússia e os Estados Unidos, por exemplo, impõe limites para uma solução armada.
A guerra recupera conflitos geopolíticos que remontam à Guerra Fria, mas que, num contexto atual, estão relacionados aos interesses de países do Ocidente em avançar em controle e influência nos países do Leste Europeu, que faziam parte da antiga União Soviética.
Na visão do professor de Relações Internacionais e Economia Giorgio Romano Schutte, da Universidade Federal do ABC (UFABC), o caso repete um script já adotado por Vladimir Putin, presidente russo, no conflito envolvendo a Geórgia, em 2008.
“Você teve cinco dias de confrontos pesados entre o exército da Geórgia e da Rússia e depois um cessar-fogo, uma negociação, e ninguém mais fala da entrada da Geórgia na Otan [Organização do Tratado do Atlântico Norte]”, disse.
O professor Maurício Santoro, do Departamento de Relações Internacionais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), diz que há similaridade entre os casos, mas ele aponta que o conflito atual tem maiores proporções.
“Na Ucrânia, nós estamos falando do maior país que fica integralmente na Europa, porque a Rússia tem uma parte na Ásia, e um país com 45 milhões de habitantes. É outra escala, muita coisa ruim pode acontecer disso. A Ucrânia faz fronteira com vários outros países europeus”, aponta.
Em 2008, a ação se deu na Geórgia, após investida da Otan para que o país viesse a compor a organização.
E, em 2014, a possível filiação da Ucrânia à União Europeia resultou na anexação da península da Crimeia ao território russo.
“Ao longo desses últimos anos, a Ucrânia continuou um processo de aproximação com o Ocidente e o atual presidente [Volodymyr] Zelensky é bastante crítico à Rússia”, destaca Santoro. Para o professor, “não há ainda uma definição exata de em que esfera de influência eles [Geórgia e Ucrânia] vão permanecer”.
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O professor aposentado de História Contemporânea Antônio Barbosa, da Universidade de Brasília (UnB) avalia que tanto o Ocidente quanto a Rússia sabem que existem limites que não podem ser transpostos. “Nós estamos falando de países que têm armas nucleares. Esse limite obviamente não será transposto”. Ele acredita que os esforços diplomáticos devem se voltar para a Ucrânia. “Algo parecido com a Finlândia na época da Segunda Guerra Mundial, a chamada finlandização, ou seja, o país se proclama neutro, vai continuar tendo os interesses ligados ao Ocidente, mas não vai entrar, por exemplo, na Otan.”
Nesse mesmo sentido, Romano considera improvável o envio de tropas da Otan, o que poderia pôr em curso um conflito de escala mundial. “As tropas da Otan vão agir quando tiver um tiro nos territórios dos países da Otan”, aponta. Ele acrescenta que o Ocidente deve abastecer os ucranianos com armamentos, inclusive, por se tratar de um negócio, mas que deve ser suficiente para conter o exército russo, tendo em vista a escala das forças dos dois países. “O Putin sabe disso, eu também acho absolutamente improvável ele atacar qualquer país da Otan, porque aí sim haverá um conflito militar.”
Santoro destaca que isso nem mesmo foi mencionado pelos países da Otan.
“Tem essa pressão muito grande em cima da Rússia usando os instrumentos econômicos, mas até agora nada em termos de enviar militares para lá”, aponta.
Ele relembra que, no contexto da Guerra Fria, as disputas se davam justamente por meios indiretos, com países aliados, como Vietnã e Coreia. “Não lutando um contra o outro na Europa”.
As sanções econômicas, no entanto, têm se mostrado insuficientes. Uma das ameaças que poderiam conferir maior peso para desestabilização da economia russa, que é a retirada do país do Sistema Swift, também põe em risco outras economias mundiais.
“Analistas financeiros já falaram que isso é impossível, porque é uma bomba atômica que pode atingir a economia europeia, tem efeitos imprevistos”, aponta Romano. O professor da UnB também não acredita nesse mecanismo. “A História Contemporânea tem nos ensinado que esses bloqueios praticamente não levam a nada. Nós temos países que estão bloqueados há muito tempo e continuam a viver”, afirma Barbosa.
Santoro diz que, nesse momento, o que está em jogo na diplomacia é tentar negociar um cessar-fogo e tentar interromper as hostilidades.
“O principal instrumento que o Ocidente tem para fazer isso com a Rússia são pressões econômicas, são ameaças de sanções, principalmente em questões ligadas ao petróleo e gás, que é o principal produto de exportação da Rússia para Europa”. Ele pondera, no entanto, que a dependência europeia do fornecimento de energia russa também é um complicador nesse caso.
“Tudo depende de até onde o governo russo, em particular o Putin, quer ir”, avalia Romano. Para ele, uma solução possível envolve negociação para a permanência das tropas russas em Donbass. “É absolutamente possível, desejável, e assim se espera, que haja um acordo, que o resto da Ucrânia mantenha sua integridade territorial, sua independência garantida”.
O professor da UFABC considera aceitável, no contexto geopolítico, que a Rússia se imponha para impedir o avanço da Otan na região.
“Que não haja Otan na fronteira, que não haja mísseis na Polônia, tudo isso é absolutamente legítimo. O que não é legítimo, evidentemente, é invadir outro país e quem paga a conta é a população, os refugiados. Você não consegue controlar, uma vez que você começa uma guerra, você não sabe”, lamenta.
Por Camila Maciel – Repórter da Agência Brasil – São Paulo
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