Juristas e políticos de todo o país reagiram contra o posicionamento do presidente Jair Bolsonaro em dois atos realizados em Brasília e em São Paulo, que reuniram militantes que o apoiam. Em Brasília, Bolsonaro discursou em um carro de som, acompanhado de ministros. Ele reafirmou que as autoridades devem agir dentro dos limites da Constituição e fez referência a decisões do Supremo Tribunal Federal (STF), onde é alvo em quatro investigações. “Não podemos continuar aceitando que uma pessoa específica, da região [da Praça] dos Três Poderes, continue barbarizando a nossa população”, disse.
“Ou o chefe desse Poder enquadra o seu ou esse Poder pode sofrer aquilo que nós não queremos. Porque nós valorizamos, reconhecemos e sabemos o valor de cada Poder da República. Nós todos aqui na Praça dos Três Poderes juramos respeitar a nossa Constituição. Quem age fora dela se enquadra ou pede pra sair”, completou.
Após participar do ato em Brasília, Bolsonaro embarcou para São Paulo. Do alto de um carro de som, o presidente discursou: “Não vamos mais admitir [que] pessoas como Alexandre de Moraes continuem a açoitar a nossa democracia e desrespeitar a nossa Constituição. Ele teve todas as oportunidades para agir com respeito a todos nós, mas não agiu dessa maneira como continua a não agir”, disse.
Sobre o modelo das eleições no país, ele se dirigiu a Luís Roberto Barroso, presidente do TSE. “Nós queremos eleições limpas, auditáveis e com contagem pública. Não posso participar de uma farsa como essa patrocinada pelo presidente do Tribunal Superior Eleitoral”, disse. “A alma da democracia é o voto. Não podemos admitir um sistema eleitoral que não oferece qualquer segurança por ocasião das eleições. Não é uma pessoa do TSE que vai nos dizer que esse processo é seguro e confiável”, disse Bolsonaro.
Ele voltou a responsabilizar governadores e prefeitos. “Vocês passaram momentos difíceis com a pandemia [de covid-19], mas pior que o vírus foram as ações de alguns governadores e alguns prefeitos, que simplesmente ignoraram a nossa Constituição, em especial os incisos do Artigo 5º, onde tolheram a liberdade de expressão, tolheram o direito de ir e vir, proibiram vocês de trabalhar e frequentar templos e igrejas para sua oração.”
Os discursos do presidente Bolsonaro, classificados como antidemocráticos pelos ataques ao STF e ministros da instituição que é responsável pela guarda da Constituição Brasileira, provocaram uma reação em cadeia de juristas e políticos. O atentado à independência e harmonia entre os poderes pode configurar em tese a prática de um crime de responsabilidade pelo presidente da República.
Foi o que defendeu Gustavo Binenbojm, doutor em Direito Público e professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, em entrevista à TV Globo: “não existe na gramática constitucional o enquadramento de um ministro do Supremo Tribunal Federal nas suas decisões judiciais pela vontade unipessoal do presidente da República que é um chefe de outro poder que no Brasil é um chefe de estado. Então, o discurso do presidente me parece claramente um discurso de ameaça à independência e harmonia entre os poderes. Do ponto de vista jurídico constitucional, o atentado à independência e harmonia entre os poderes e o descumprimento de decisões judiciais , configuram em tese a prática de um crime de responsabilidade pelo presidente da República”, analisou.
Para o especialista, com isso, o presidente pode sofrer o impeachment.
“O que pode resultar, a juízo do Congresso Nacional, a autorização da Câmara, e decisão final do Senado, pode resultar em impeachment do presidente e na perda dos seus direitos políticos por 8 anos”, disse Gustavo.
Os juristas ouvidos pela TV Globo destacaram o artigo 85 da Constituição: “São crimes de responsabilidade os atos do Presidente que atentem contra a Constituição e, especialmente, contra: o livre exercício do Poder Legislativo, do Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação; o cumprimento das leis e das decisões judiciais.”
O ex-presidente do Supremo Carlos Ayres Britto, recorreu a uma expressão usada pelo próprio presidente Bolsonaro.
“Não perco a oportunidade pra dizer que é do meu agrado ouvir o presidente dizer que joga nas quatro linhas da Constituição. Acontece que nas quatro linhas da Constituição há dois protagonistas estatais por definição. São os que primeiro entram no campo pra jogar. Por essa ordem, o legislativo e o executivo. E o terceiro que entra em campo é como árbitro, como juiz dessa partida. E o juiz é o poder judiciário. E no âmbito do judiciário, é o Supremo Tribunal Federal, que tanto decide imperativamente, de forma singular ou monocrática, um ministro decidindo sozinho, conforme o caso; pela turma, decisão fracionária; ou pelo pleno, decisão plenária do Supremo. Ora, quando essas decisões são tomadas, o que cabe ao poder executivo é respeitar”, disse.
“As regras do jogo são essas, elas estão na Constituição. Fugir, pra usar de uma linguagem que o presidente vem usando , não é muito do meu agrado, mas eu vou usar dessa linguagem ‘enquadrar’. Em nenhum dispositivo da Constituição o presidente da República enquadra o poder judiciário. Menos ainda o ministro do Supremo, menos ainda o Supremo como um todo. Os ministros do Supremo e o Supremo como um todo é que podem enquadrar membros do poder executivo. Isso está na Constituição, isso faz parte das regras do jogo”, completou.
O ex-ministro do STF Celso de Mello, também ouvido pela TV Globo, concorda e entende que Bolsonaro atacou a independência do Judiciário com as ameaças.
“Essa conduta de Bolsonaro revela a figura sombria de um governante que não se envergonha de desrespeitar e vilipendiar o sentido essencial das instituições da República. É preciso repelir, por isso mesmo, os ensaios autocráticos e os gestos e impulsos de subversão da institucionalidade praticados por aqueles que exercem o poder”, disse Celso de Mello.
Após reunião realizada por videoconferência após os discursos do presidente Bolsonaro, os ministros do STF decidiram por um pronunciamento do presidente da Corte, ministro Luiz Fux, na tarde desta quarta-feira (8/9) na abertura da sessão plenária de hoje. Fux, vai responder pontos considerados inaceitáveis dos discursos de Bolsonaro.
A resposta deve rechaçar de forma veemente três pontos da fala de Bolsonaro: as ameaças feitas ao próprio STF; o recado para que Fux enquadrasse o ministro Alexandre de Morais e o aviso de que vai descumprir decisão judicial.
No STF, há também o entendimento de que as respostas devem seguir nas vias judiciais encerramento os quatro procedimentos em que o presidente da República é investigado ainda mais agora com provas produzidas pelo próprio Bolsonaro contra ele mesmo nos discursos que fez ameaças públicas à Democracia.
Os governadores do Ceará, Camilo Santana (PT); de São Paulo, João Dória (PSDB); do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB); e do Maranhã, Flávio Dino (PSB), se pronunciaram pelas redes sociais com declarações fortes contra as ameaças de Bolsonaro e a favor da Democracia. “Essas ameaças de tom golpista tentam demonstrar força mas, ao contrário, só revelam a fraqueza e o desequilíbrio de quem as faz. Mostram desprezo às leis e à Constituição. Tentam provocar o caos para tirar o foco dos reais problemas do país e da total incapacidade de resolvê-los”, disse o governador Camilo Santana.
O governador de São Paulo, João Doria, declarou posição a favor do impeachment do presidente Jair Bolsonaro: “Independência só é plena quando há respeito às Leis, à Constituição e à Democracia”. Para o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, “foi um erro colocar Bolsonaro no poder. Está cada vez mais claro que é um erro mantê-lo lá”. O governador do Maranhão, Flávio Dino, fez uma reflexão histórica: “A última vez que um presidente da República resolveu “enquadrar” e colocar nos “eixos” ministros do Supremo foi em 16 de janeiro de 1969, sob a ditadura do AI-5, com a cassação de Hermes Lima, Victor Nunes Leal e Evandro Lins e Silva”.
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As reações aos discursos do presidente Bolsonaro também agitaram o mundo político no dia da independência. O presidente do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), Bruno Araújo, convocou uma reunião Extraordinária da Executiva para esta quarta-feira (8/9) com o objetivo de discutir a posição do partido sobre abertura de impeachment e eventuais medidas legais diante das gravíssimas declarações do presidente da República”.
O Partido Social Liberal (PSL) e Democratas (DEM ) emitiram uma nota conjunta onde entendem que a liberdade é o principal instrumento democrático e não pode ser usada para fins de discórdia, disseminação de ódio, nem ameaças aos pilares da própria democracia. “Por isso, repudiamos com veemência o discurso do senhor presidente da República ao insurgir-se contra as instituições de nosso país”, diz a nota.
O Movimento Democrático Brasileiro (MDB) emitiu nota informando que “respeita divergências programáticas, mas se aferra à Constituição que determina a independência harmônica entre os poderes. Contra isso, o próprio texto constitucional tem seus remédios em defesa da democracia, que é sinônimo da vontade do povo”.
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), declarou: “Ao tempo em que se celebra o Dia da Independência, expressão forte da liberdade nacional, não deixemos de compreender a nossa mais evidente dependência de algo que deve unir o Brasil: a absoluta defesa do Estado Democrático de Direito”.
Os senadores da República também reagiram. Jean Paul Prates (PT-RN), líder da minoria no Senado, declaro que: “Bolsonaro definitivamente perdeu as condições de governar, de recuperar a economia e o Brasil. Só restam duas alternativas para Bolsonaro depois do dia de hoje, renúncia ou impeachment. Como ele não é capaz desse gesto pela nação, já passa da hora de o Congresso conduzir o processo de impeachment do presidente”.
O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), líder da oposição no Senado lamentou os discursos de Bolsonaro dizendo: “Superaremos esse tempo, página infeliz da nossa história! O verdadeiro patriota se compadece de seus compatriotas. Se compadece quando seu compatriota sente fome, adoece. O povo brasileiro é DIVERSIDADE, e não desunião. Apesar deles, amanhã há de ser outro dia!”
Já a senadora Simone Tebet (MDB-MS), líder da bancada feminina no Senado declarou: “Resposta ao grito de hoje do PR [presidente], recheado de insinuações, ameaças e ações constantes contra a ordem democrática e as liberdades públicas: CN [Congresso Nacional] está vigilante e tem instrumento constitucional para conter qualquer tentativa de retrocesso”.
Alessandro Vieira (Cidadania-SE) – senador e líder do Cidadania no Senado, disse: “A lei 1079 define os crimes de responsabilidade do Presidente da República. No seu art 4º, VIII, fala exatamente do não cumprimento de decisões judiciais. A pena é perda do cargo (impeachment) e dos direitos políticos por até 5 anos”.
Com informações da Agência Brasil e do Portal de Notícias G1