O presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Luiz Fux, fez pronunciamento, na tarde desta quarta-feira (8/9), em resposta às declarações feitas pelo presidente da República, Jair Bolsonaro, durante atos antidemocráticos realizados no feriado de 7 de Setembro. Fux afirmou que o desprezo a decisões judiciais por parte de chefe de qualquer poder configura crime de responsabilidade.
“Ofender a honra dos ministros, incitar a população a propagar discursos de ódio contra a instituição do Supremo Tribunal Federal e incentivar o descumprimento de decisões judiciais são práticas antidemocráticas e ilícitas, intoleráveis, em respeito ao juramento constitucional que fizemos ao assumirmos uma cadeira nesta Corte. O Supremo Tribunal Federal também não tolerará ameaças à autoridade de suas decisões. Se o desprezo às decisões judiciais ocorre por iniciativa do chefe de qualquer dos poderes, essa atitude, além de representar um atentado à democracia, configura crime de responsabilidade, a ser analisado pelo Congresso Nacional”, declarou.
Neste ponto do discurso, o presidente do STF se refere claramente ao momento do discurso do presidente Jair Bolsonaro em que ele afirma que não mais cumprirá decisões do Ministro do STF Alexandre de Moraes, relator de quatro processos no STF que envolvem o presidente da República. “Não vamos mais admitir [que] pessoas como Alexandre de Moraes continuem a açoitar a nossa democracia e desrespeitar a nossa Constituição. Ele teve todas as oportunidades para agir com respeito a todos nós, mas não agiu dessa maneira como continua a não agir”, disse ontem Bolsonaro.
Num dos inquéritos, o que investiga o financiamento e organização de atos contra as instituições e a democracia, o ministro Alexandre de Moraes chegou a determinar a prisão de apoiadores do presidente Bolsonaro.
O presidente do STF, Luiz Fux, não citou nominalmente Jair Bolsonaro, mas o tom duro do discurso tem claramente como alvo o chefe do Executivo.
“Este Supremo Tribunal Federal também esteve atento à forma e ao conteúdo dos atos realizados no dia de ontem. Cartazes e palavras de ordem veicularam duras críticas à Corte e aos seus membros, muitas delas também vocalizadas pelo senhor presidente da República, em seus discursos em Brasília e em São Paulo”, declarou Fux.
E Fux continuou: “Infelizmente, tem sido cada vez mais comum que alguns movimentos invoquem a democracia como pretexto para a promoção de ideais antidemocráticos. Estejamos atentos a esses falsos profetas do patriotismo, que ignoram que democracias verdadeiras não admitem que se coloque o povo contra o povo, ou o povo contra as suas instituições. Todos sabemos que quem promove o discurso do ‘nós contra eles’ não propaga democracia, mas a política do caos”.
O presidente do STF ainda faz uma declaração em tom de alerta à nação: “Em verdade, a democracia é o discurso do ‘um por todos e todos por um, respeitadas as nossas diferenças e complexidades’. Povo brasileiro, não caia na tentação das narrativas fáceis e messiânicas, que criam falsos inimigos da nação. Mais do que nunca, o nosso tempo requer respeito aos poderes constituídos. O verdadeiro patriota não fecha os olhos para os problemas reais e urgentes do país. Pelo contrário, procura enfrentá-los, tal como um incansável artesão, tecendo consensos mínimos entre os grupos que naturalmente pensam diferentes. Só assim é possível pacificar e revigorar uma nação inteira”.
No encerramento do pronunciamento, o ministro Luiz Fux disse que o STF “jamais aceitará ameaças à sua independência nem intimidações ao exercício regular de suas funções. Os juízes da Suprema Corte – e todos os mais de 20 mil magistrados do país – têm compromisso com a sua independência, assegurada nesse documento sagrado que é a nossa Constituição, que consagra as aspirações do povo brasileiro e faz jus às lutas por direitos empreendidas pelas gerações que nos antecederam”. E concluiu:
“Ninguém, ninguém fechará esta Corte. Nós a manteremos de pé, com suor, perseverança e coragem. No exercício de seu papel, o Supremo Tribunal Federal não se cansará de pregar fidelidade à Constituição e, ao assim proceder, esta Corte reafirmará, ao longo de sua perene existência, o seu necessário compromisso com o regime democrático, com os direitos humanos e com o respeito aos poderes e às instituições deste país”.
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Após o pronunciamento do presidente do STF, ministro Luiz Fux, o Procurador Geral da República, Augusto Aras, pediu a palavra para também defender o Estado Democrático de Direito.
“A voz da rua é a voz da liberdade e do povo. Mas não só! A voz das instituições que funcionam a partir das escolhas legítimas do povo e de seus representantes também é a voz da liberdade. Como previsto na Constituição Federal de 88 e em nosso sistema de leis, discordâncias sejam políticas ou processuais, hão de ser tratadas com civismo e respeitando o devido processo legal e constitucional”, declarou Aras.
O procurador geral da República continuou defendendo que “não podemos desprezar os recursos e as ferramentas da institucionalidade: o devido processo legal, o devido processo legislativo e o devido processo administrativo. Por meio dessas vias formais do nosso Estado Democrático de Direito, assegura-se que as minorias tenham voz e meios contra o excessos da maioria e também que os direitos da maioria sejam preservados em relação aos processos decisórios”.
Encerrando o discurso, Augusto Aras reafirmou que somente “juntos, trabalhando por uma sociedade livre, justa e solidária aperfeiçoaremos a nossa Democracia. Afinal, como bem disse o Dr Ulisses Guimarães na data promulgação da Constituição de 88. ‘A Constituição, certamente, não é perfeita. Ela própria o confessa ao admitir a reforma. Quanto a ela, discordar, sim. Divergir, sim. Descumprir, nunca. Afrontá-la jamais”, concluiu.
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