Quando florescem, os tão brasileiros ipês preenchem as paisagens de beleza e encanto, em um convite à contemplação que desafia a pressa da vida cotidiana. Lançando um olhar para além da apreciação, cientistas, há mais de um século e meio, descobriram nessas plantas compostos que podem combater tumores em seres humanos.
Os muitos anos de pesquisa mostraram, contudo, que essas moléculas isoladas da natureza possuem algumas limitações que comprometem uma ação mais poderosa no combate ao câncer, em especial o fato de atacarem tanto células cancerígenas quanto saudáveis. Entretanto, as características dessas moléculas serviram de inspiração para que pesquisadores da Universidade Federal do Ceará (UFC), em parceria com outras instituições, desenvolvessem novos compostos quimioterápicos para combater tumores. Agora, eles analisam o potencial deste invento em superar as limitações encontradas na natureza.
Nos testes já aplicados, as novas moléculas sintetizadas em laboratório apresentaram uma ação não só mais potente contra o câncer como garantiram o que os cientistas chamam de uma maior seletividade. Isso significa que esses compostos possuem um potencial de atacar prevalentemente as células cancerígenas, preservando as células normais do organismo.
“Os testes realizados até o momento foram in vitro. Ainda precisamos partir para os testes em modelos animais e em pessoas. Se os resultados forem promissores, será possível desenvolver um novo protótipo de fármaco para tratamento contra o câncer com menos efeitos colaterais para os pacientes”, explica a professora do Departamento de Fisiologia e Farmacologia da UFC Cláudia do Ó Pessoa, uma das responsáveis pelo invento.
Os estudos seguem avançando e, conforme a pesquisadora, estão mirando em novas estratégias para o combate ao câncer de próstata, de ovário e de mama.
Os compostos sintetizados pelos pesquisadores se espelham em duas moléculas que são facilmente isoladas do cerne das plantas do gênero Tabebuia, do qual fazem parte os vistosos ipês. Trata-se dos chamados lapachol e β-lapachona, que, por conta de sua ação antitumoral, estão entre os mais estudados das naftoquinonas, substâncias amplamente distribuídas na natureza e que apresentam diversas atividades biológicas.
O esforço realizado pela equipe de cientistas já vem sendo reconhecido. O invento, denominado “Derivados de lapachona contendo dois centros redox e métodos de uso dos mesmos”, acaba de garantir sua carta-patente, expedida pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI).
Para a Profª Cláudia Pessoa, a carta-patente reconhece o caráter de novidade, invenção e aplicabilidade da pesquisa realizada. O reconhecimento da importância da pesquisa já havia sido dado em 2019, quando o estudo foi finalista no X Prêmio Octávio Frias de Oliveira, iniciativa do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (ICESP), na categoria Inovação Tecnológica em Oncologia.
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Os pesquisadores da UFC sintetizaram os novos compostos em parceria com cientistas das universidades federais de Minas Gerais (UFMG) e Santa Catarina (UFSC) e da Universidade do Texas, nos Estados Unidos. A cooperação com a UFMG nessa área já vem sendo realizada há mais de 10 anos na área da química medicinal, em parceria com a Universidade do Texas.
A Profª Cláudia Pessoa destaca que o seu grupo de pesquisa vem contribuindo fortemente para prospecção de moléculas com potencial anticâncer que possam vir a atuar como novos “protótipos de fármacos” no tratamento do câncer. “O Laboratório de Oncologia Experimental da UFC vem somando esforços ao longo dos anos para identificação de moléculas com potencial anticâncer. Desse modo, os pesquisadores contribuíram nos estudos iniciais dos ensaios biológicos in vitro e nos mecanismos de ação”, afirma.
De acordo com a professora, a pesquisa segue em andamento. Os resultados in vitro foram promissores, e agora os cientistas estão avançando para os testes em animais, a fim de avaliar a eficácia e a segurança desses derivados no combate ao câncer. Somente após esses resultados, a pesquisa poderá seguir para os estudos clínicos, quando são feitos os testes em humanos.
Os compostos sintetizados pelo grupo de pesquisadores são provenientes de duas pesquisas realizadas no Programa de Pós-Graduação em Farmacologia da UFC. Uma delas é a tese de doutorado de Bruno Coêlho Cavalcanti, denominada Avaliação in vitro do potencial citotóxico de derivados arilamino nor-beta-lapachônicos: estudos de mecanismo de ação.
De acordo com Bruno, o Laboratório de Oncologia Experimental já possui diversos estudos com quinonas, que são o grupo de substâncias da qual fazem parte os compostos sintetizados. “De uma forma geral, as quinonas são consideradas estruturas privilegiadas e fazem parte das estruturas químicas de medicamentos mais importantes utilizados contra o câncer”, observa. O diferencial desses compostos, aponta, é que eles funcionam como fármacos multialvos. “Embora os fármacos de alvo único inibam ou ativem com sucesso um alvo específico, os fármacos que são capazes de atuar simultaneamente sobre diversos alvos biológicos são mais atrativos no design de novos fármacos eficazes”, avalia.
O invento também é proveniente da tese de doutorado Avaliação do potencial citotóxico e mecanismo molecular das naftoquinonas sintéticas ENSJ39 e ENSJ108: estudos in vitro e in silico, de Daniel Pascoalino Pinheiro, ex-aluno de doutorado do programa.
A carta-patente recém-expedida inclui como inventores, além da Profª Cláudia Pessoa e de Bruno Coêlho Cavalcanti, pela UFC, os pesquisadores Eufrânio Nunes da Silva Júnior e Eduardo Henrique Guimarães da Cruz, pela UFMG, Antônio Luiz Braga, pela UFSC, e David A. Boothman e Molly Silvers, pela Universidade do Texas.
Sérgio de Sousa da Agência UFC