Mudanças climáticas e avanço do agronegócio colocam em risco o “berço das águas” e os maiores polinizadores da natureza | Foto Marcelo Kuhlmann
O beijo mais famoso da natureza está sob ameaça no Cerrado. A cena do beija-flor em busca de néctar, que espalha o pólen pelas flores ao voar, pode estar com os dias contados. No Dia do Beijo, celebrado neste domingo (13), o alerta vem do biólogo e fotógrafo da natureza Marcelo Kuhlmann.
Após 10 anos de pesquisa pelo Cerrado — considerado o “berço das águas” do Brasil — Kuhlmann registrou 41 espécies de beija-flores em seu novo livro: Cerrado em Cores: Flores Atrativas para Beija-Flores. A obra independente tem 750 páginas e foi organizada por cores e épocas de floração das flores nativas.
“O livro mostra que o Cerrado abriga uma diversidade incrível, mas também escancara as ameaças que esses animais enfrentam com o avanço do desmatamento e as mudanças climáticas”, explica o autor.
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Para Kuhlmann, a principal ameaça à biodiversidade do Cerrado é o desmatamento causado pela expansão do agronegócio. Segundo ele, mais da metade da vegetação nativa foi destruída nos últimos 70 anos.
“As monoculturas de soja e milho dominam vastas áreas e reduzem os ambientes naturais que sustentam espécies como os beija-flores. Isso compromete toda a cadeia de polinização”, afirma.
Outro fator preocupante, segundo o pesquisador, são as mudanças climáticas, que afetam os períodos de floração e, consequentemente, a alimentação e comportamento dos beija-flores.
No Cerrado, cerca de 80% a 90% das plantas dependem de animais para polinização. O livro registra mais de 300 espécies nativas que atraem beija-flores — pelo menos 100 delas dependem majoritariamente dessas aves.
Além das cores vibrantes das flores, o que atrai o beija-flor é o néctar. A relação entre flor e ave é resultado de milhares de anos de coevolução. “Cada formato de bico está adaptado a um tipo específico de flor”, explica o biólogo.
A pesquisa percorreu diversas regiões, como o Distrito Federal, Goiás, Minas Gerais, São Paulo, Bahia, Mato Grosso e Tocantins. Entre os momentos marcantes da jornada, Kuhlmann destaca o registro do raro Phaethornis nattereri (rabo-branco-de-sobre-amarelo), encontrado na Chapada dos Guimarães, região de transição com o Pantanal.
O livro é uma homenagem visual e científica ao Cerrado, com a mensagem de que “não se conserva o que não se conhece”.
“O Cerrado ainda é visto como um bioma cinza, o que é um equívoco. Aqui, temos uma das savanas mais ricas do planeta. Precisamos proteger esse ecossistema — e seus beijos raros — antes que seja tarde demais”, finaliza Kuhlmann.
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