Terça-feira, 18 de janeiro de 2022. Caucaia e Crato entram em campo pela 4ª rodada do Campeonato Cearense de Futebol, no Estádio Municipal João Ronaldo. O time da casa, o Caucaia, venceu o Crato por 3 a 1. Um resultado provável, como em qualquer partida de futebol, mas que para algumas pessoas ligadas aos dois times não era apenas uma probabilidade. Era uma meta a ser atingida, inclusive con lances certos, que deveriam ocorrer, como um gol de pênalti no primeiro tempo e outros três gols na segunda etapa da partida.
A descrição acima bate exatamente com áudios que chegaram ao conhecimento do Núcleo de Defesa do Desporto e do Torcedor (Nudtor), do Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE), que investiga em paralelo com Tribunal de Justiça Desportiva de Futebol um esquema de manipulação de resultados de jogos do Campeonato Cearense.
Basta comparar a transcrição do áudio (ou ouvir a gravação abaixo) com o relatório final da jogo, na tabela ao lado.
Transcrição: “Não, ele prometeu, pô. Prometeu quatro ‘conto’. E tipo assim, se tivesse pênalti, entendeu? quatro conto (sic). Aí teve o pênalti, entendeu? O primeiro tempo foi 1 a 0, gol de pênalti, pô. Entendeu? Mas quando teve a reunião aqui, ele disse que o mínimo que a gente ia fazer era três e meio, entendeu? E deu os três e meio, deu 3 a 1. Ele disse que a gente podia perder o primeiro tempo de dois, fazer um… e no segundo tempo pegar mais dois, né? Então, se podia fazer dois no primeiro tempo e levar um… É… um gol de diferença… Entendeu?”
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São duas investigações em paralelo. Uma administrativa, que é realizada pelo Tribunal de Justiça Desportiva do Futebol no Ceará (TJDF) e outra criminal, de responsabilidade do Ministério Público Estadual. Segundo o Coordenador do Nudtor, promotor de Justiça Edvando França, as primeiras denúncias foram feitas no ano passado.
“A gente recebeu algumas informações de que a falha estaria ocorrendo nos jogos do Barbalha e também em jogos do Caucaia. Então, na mesma hora que eu tomei conhecimento, eu acionei a polícia e os colegas (promotores) do Ministério Público de Barbalha e de Caucaia para que eles providenciassem a investigação nesses 2 casos”, relata o coordenador que ressalta: “A manipulação não é só resultado da partida de um modo geral, como muita gente pensa. Por exemplo, o time está perdendo, não importa o resultado, mas tinha que estar perdendo com um gol contra. Aí o zagueiro faz um gol contra (de propósito). Esse gol não ia influir em nada no resultado, mas o manipulador acertou a aposta de que o time sofreria um gol contra. Então, ele ganha num tipo de aposta, mesmo perdendo de 5 a zero”.
Até o momento existem três clubes cearenses de futebol envolvidos nas denúncias: Crato, Barbalha e Caucaia. A investigação do MPCE pretende aprofundar o caso até o fim de fevereiro. “Saber se tem mais clubes envolvidos, outros nomes. A investigação visa identificar toda uma suposta quadrilha que pode estar envolvida, se envolve os jogadores também. Saber quem manipulou, quem foi manipulado, por quanto tempo, quantas vezes fez isso, quem são as outras pessoas que estão envolvidas nisso? O crime acontece quando quem aposta vai lá ‘dentro de campo’ e manipula o resultado a sair de acordo com a aposta de interesse dele”, explica Edvando França.
Segundo o Coordenador do Nudtor, há interesse de apresentar resultados o quanto antes. “Ontem mesmo (24/01), eu estive numa reunião com o Procurador Geral de Justiça (Manuel Pinheiro) tratando sobre a celeridade da investigação. A sociedade precisa de uma resposta e não pode ser por muito tempo. A gente tem um planejamento. É provável sim que em 30 dias a gente já tenha algo mais concreto, algumas etapas de evolução da investigação. A gente tem um remédios. Vamos agir”, salientou.
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Existem vários tipos de tipificações criminais. Dentro do próprio Estatuto do Torcedor tem a penalidade administrativa, em que clube pode ser punido com a perda de pontos, por exemplo. Já na esfera criminal, a situação complica um pouco mais.
“Tem formação de quadrilha, estelionato e outros crimes, mas isso é falando ainda em tese, claro. O foco da investigação está na manipulação dos resultados, que vai muito além de um time ganhar de um outro”, esclarece o promotor ao mesmo tempo em que ressalta a necessidade de apontar as responsabilidades certas a quem merece ser punido.
“Não necessariamente quer dizer que todos nesses clubes estão envolvidos, ou que as diretorias dos presidentes estão envolvidas. Possa ser que sim, possa ser que não. Pode ser que seja um ajuste com o jogador lá dentro do campo. Um jogador atue de certa forma por ordem da diretoria. Mas não há nenhuma conclusão ainda. Lembrando que se a investigação chegar à conclusão de que há participação de diretores dos clubes, não tenha a menor dúvida de que esse clube vai ser severamente punido. Pode ser que seja afastado do futebol. Possa ser que seja até a apuração que tenha repercussão nos âmbitos penal e criminal”, conclui o promotor de Justiça Edvando França.
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