“Cirandeira preta, cirandeira preta, ela é a Lia de Itamaracá…”. O refrão da música composta por integrantes do grupo “Armenina do Coco de Fulô”, de Jericoacoara, foi cantado por elas para a própria inspiradora: a pernambucana Lia, que em janeiro chega aos 81 anos.
Foi ela a grande homenageada do Festival Choro Jazz, que encerrou na madrugada de segunda-feira sua programação em 2024. Foi uma verdadeira maratona, que passou por Soure e Belém, em julho, pelo Cariri em setembro e por Fortaleza nos dias 30/11 e 1/12, chegando a Jericoacoara na última terça-feira, 3/12, e se encerrando hoje, após vários shows, oficinas, rodas de choro à beira do mar, jam sessions na praça principal de Jeri e muitos, muitos encontros proporcionados pela música.
A noite de domingo, despedida do festival, contou com a apresentação arrebatadora das “meninas” do coco de Jeri, que literalmente levantaram o público e dialogaram com a presença de Lia de Itamaracá como artista homenageada do festival e encarregada do último show do festival em 2024.
O evento já tem data para acontecer em Jeri em 2025: de 2 a 7 de dezembro, revelou, do palco, o idealizador e diretor do festival, Antônio Ivan Capucho, em um momento de agradecimento a toda a equipe que se dedica e trabalha para fazer o evento acontecer. Capucho e Aline de Moraes, da Iracema Cultural, também entregaram o troféu de homenageada a Lia de Itamaracá, que agradeceu pelo destaque em vida. “Homenagem depois que a pessoa morre não adianta”, brincou, ao agradecer.
O festival teve acesso gratuito em todas as atividades, em todas as etapas, graças ao Ministério da Cultura e à Petrobras, destacaram Capucho e os artistas, em todas as apresentações. Foi a primeira vez que o Choro Jazz aconteceu em formato itinerante, com novas cidades recebendo o festival, que celebrou 15 anos de ações em Fortaleza e Jericoacoara.
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Confirmando a pluralidade do grande encontro da música do Brasil, com uma diversidade de expressões dividindo o palco em uma mesma noite, também se apresentaram neste domingo o saxofonista e flautista Jota P e o trombonista convidado François de Lima, em uma banda cheia de craques do jazz e do instrumental brasileiro, em um show ousado e instigante, com farto espaço para a improvisação e muitos temas em compassos compostos, desafiando os muitos músicos presentes à plateia e também os espectadores mais atentos à performance do grupo, que contou com Luis Gabriel, Danilo Silva, Gabriel Biel e Gustavo Rocha.
Que emoção ouvir François, que se dedicou durante toda a semana em Jeri ministrando a oficina de improvisação, e esse super time, ao lado de Jota P, em um show para os amantes do jazz e desta nova e intensa geração de músicos de São Paulo.
Depois de um intervalo em que a equipe do festival foi homenageada pelo trabalho nesta edição e, simbolicamente, pelos 15 anos do Choro Jazz, Lia de Itamaracá e banda ganharam o palco, sob muitos e ansiosos aplausos.
“Para chegar aqui, atravessei um mar de fogo. Pisei no fogo, o fogo não me queimou”, cantou Lia, rainha, sentada em uma cadeira coberta de tecido azul claro, iniciando a apresentação com “Mar de fogo”, dela e de André Moraes, canção que voltaria no bis, com a cantora e a banda formada pela professora Lígia Matos na guitarra, por André Luis Braga no trombone, Erick Amorim no teclado incluindo os baixos sintetizados, Max Bruno na bateria e Antônio José do Nascimento na percussão, todos com um mesmo figurino laranja, protegendo Lia, sendo por ela iluminados e ajudando a projetar ainda mais o canto.
.”Meu São Jorge” deu sequência ao encontro entre a grande dama e a plateia reunida em Jeri, incluindo muita gente de Fortaleza que se deslocou para o festival. “E nessa ida quando saio pra trabalhar, eu levo flores pra São Jorge e Iemanjá”. E todo mundo cantou junto “Mamãe Oxum”, com Lia distribuindo simpatia, com direito até a muitas brincadeiras ao longo do show, e com energia de sobra em “Machado de Xangô”. e na clássica “Minha ciranda”: “Minha ciranda não é minha só, ela é de todos nós, ela é de todos nós. A melodia principal quem guia é a primeira voz, é a primeira voz. Pra se dançar ciranda, juntamos mão com mão, juntamos mão com mão. Formando uma roda, cantando uma canção, cantando uma canção”.
E depois dos clássicos “Quem me deu foi Lia” e “Suíte do pescador” e de um coco pra botar o povo pra dançar, Lia entra no bloco mais “descontraído” do show, começando com o “Maxixe da vizinha”. “Quem é que não tem uma vizinha assim?”, brinca. “Desde menina” chega dialogando com a fala de Lia em convite para o público adquirir o livro biográfico. “Compre e leia com calma, pra saber a minha vida, que não foi fácil”, conta, sem, no entanto, perder o sorriso e a disposição para brincar ao cantar o brega “Apenas um trago (Bom dia, meu amor)”, com o público cantando junto.
E que contraste com a canção de ninar “Doce pretinho”, com a qual Lia e a professora Ligia começam a anunciar o fim do show. “Mas não é pra botar vocês pra dormir não. Minha mãe cantava assim quando precisava que os sete filhos dormissem, pra ela poder ir pescar”. Depois da homenagem e antes do bis, teve quem pedisse “Vai até de manhã, Lia”. “Não posso”, disse a grande dama. “De manhã Lia pega o avião pra Rrrrecife”. E tome riso!
O povo cantou pra Lia, no Choro Jazz em Jericoacoara, e ela celebrou cantando até, literalmente, terminar de sair do palco, com a ajuda dos colegas músicos, olhando pra trás e pro público a cada passo, cantando um verso mais, e outro, e outro, e outro, como quem não quisesse deixar a cidade que tanto elogiou durante o show. “Tratam a gente bem. E eu tomei até banho de mar, almocei na praia…”. A gente é que agradece pela presença, Lia. E por todas as cirandas que nos deu, ensinando nossa alegria a dançar.
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